Como diz S. Leão Magno num sermão para a Quaresma (sermão 42), “embora não haja nenhum tempo que não seja repleto de dons divinos e em que por sua graça nos não faculte acesso à sua misericórdia é este o momento de com maior empenhamento e proveito espiritual sermos movidos e com maior confiança nos animarmos”. E acrescenta: “deveria a incessável devoção e a continuada reverência para com tamanhos mistérios” levar-nos a “permanecermos na presença de Deus como é conveniente que sejamos achados na própria festa da Páscoa”. Como, porém, “tal fortaleza é de poucos” torna-se necessário este tempo “para sacudirmos os corações da poeira mundana” de modo a “remirmos por obras pias as culpas de outros tempos e as cozermos em piedosos jejuns”.
Todo o jejum deve ser feito em espírito de alegria e ação de graças pelos benefícios que Deus nos concede e não num espírito de servil obediência às práticas que a igreja nos preceitua, já que vivemos sob a Lei da Graça, cuja essência é o amor, e não sob a Antiga Lei, cuja substância era o temor. Quando jejuarmos, seja tendo em mente que a Deus nada podemos oferecer que lhe faça falta, pois de tudo é abundante, mas numa renúncia simbólica, como se disséssemos a Jesus: “senta-Te comigo à mesa, pois guardei para Ti os melhores manjares” e nos contentássemos com os mais vis.
Como recomenda S. Basílio, devemos abster-nos de carne, não porque a carne seja impura, mas para em espírito restaurarmos a inocência de Adão, que para se alimentar se contentava com frutos e sementes, sem violentar os animais seus companheiros e, como obra das mãos de Deus, seus irmãos.