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Prof. Luís Filipe Thomaz – REFLEXÕES SOBRE A PESTE DE 2020 (Coronavirus)

A epidemia que neste momento grassa pelo mundo é, para a quase totalidade das pessoas vivas, um fenómeno novo, pois raríssimos devem ser os centenários que recordem ainda a pneumónica de 1918, conhecida em Portugal por a espanhola, por aqui ter chegado através da Espanha. Em tempos mais antigos, porém, foi a Europa muitas vezes varrida pela peste, nome aplicado a diversas epidemias, nem sempre identificáveis, com especial destaque para a Peste Negra de 1347-52, que matou cerca de um terço da população do continente, causando cerca de 25 milhões de vítimas. É esse o primeiro tema sobre que quero hoje refletir convosco.

I

Nos nossos dias há uma forte tendência para considerar a nossa época como qualitativamente diferente das que a precederam, como uma espécie de éschaton ou meta dos tempos, para além da qual nada de substancialmente diferente se virá a produzir. É a teoria do fim da história, de que houve uma versão marxista-leninista, hoje inteiramente desacreditada mas bem viva ainda há apenas meio século: depois de passar, materialmente falando, pelos modos de produção escravista, feudal e capitalista, a humanidade acharia no modo de produção comunista a sua etapa final, correspondente à perfeição. O regímen comunista constituiria assim o último estádio da evolução do Homem, para além da qual nada se poderia conceber de mais perfeito.

Quando em 1974-75 em Portugal, contra as predições da ideologia, falhou a instauração de um regímen comunista, recorda-me ter visto escrito numa parede, com tanto de verdade como de ironia: “não vos preocupeis: é a realidade que se engana…”

Aquela concepção coaduna-se, em certos aspetos, com a que fora anteriormente exposta por Augusto Comte (1798-1857), que contemplava mais a evolução mental que a material, mas chegava na prática a uma conclusão idêntica. Comte via a história universal como uma sucessão progressiva de três estados ou estádios: o estádio teológico ou fictício, em que os fenómenos da natureza eram explicados pelo recurso a divindades imaginárias que os causariam, o estádio metafísico ou abstrato, em que eram explicados por misteriosas forças invisíveis, e, finalmente, o estádio positivo, o definitivo, em que os fenómenos eram racionalmente explicados pela ciência. Nesse estádio, o derradeiro, não haveria já mais lugar para a religião, que perpetuava os estádios já ultrapassados e impedia o progresso.