A Eucaristia é a Igreja que entra na alegria de Seu Mestre. Entrar nesta alegria e ser dela testemunho neste mundo é, na verdade, o próprio apelo dirigido à Igreja, sua leitourgia essencial, o sacramento pelo qual “ela torna-se o quê realmente é”.
A melhor maneira de compreender a Liturgia eucarística é olhá-la como uma estrada ou uma procissão. É a estrada onde a Igreja entra na dimensão do Reino. Empregamos esta palavra “dimensão” porque parece ser a melhor para indicar a maneira de nossa entrada sacramenta na vida ressuscitada de Cristo.
Nossa entrada na presença de Cristo é uma entrada numa quarta dimensão que nos permite pressentir a realidade última da vida. Não é uma evasão do mundo. Antes a chegada ao ponto privilegiado de onde nossa vista pode se imergir mais profundamente na realidade do mundo.
O pôr-se a caminho começa quando os cristãos deixam suas casas e seus leitos. Em verdade, eles deixam sua vida no mundo, neste mundo presente e concreto. Que tenham 30 km pela frente no carro ou somente algumas passos a pé, já começam a colocar um ato sacramental, um ato que é a condição primária para tudo que há-de-vir. Porque estão então a caminho para constituir a Igreja, ou mais exatamente, para serem transformados em Igreja de Cristo. Eram indivíduos, uns brancos, outros negros, uns ricos, outros pobres, eram o mundo “natural”, uma comunidade natural.
E eis que são chamados a “se reunirem num mesmo lugar”, a trazerem com eles o próprio “mundo”, a serem aquilo que não eram: uma comunidade nova vivendo uma vida nova. Estamos bem para além das categorias de adoração e de oração em comum. O objetivo deste “reunir-se” não é simplesmente adicionar uma dimensão religiosa à comunidade natural, de torná-la “melhor”, mais responsável, mais cristã. O objetivo é o de realizar a Igreja, quer dizer de representar, de tornar presente o Único em Quem todas as coisas têm o seu fim, e todas as coisas tem o seu começo.
A Liturgia começa então, como uma separação real do mundo. O Cristo que falamos não é deste mundo (cf. Jo. 8, 23; 18, 36), após Sua Ressurreição, Ele não foi reconhecido, mesmo até pelos Seus Discípulos. Maria Magdalena O tem como um jardineiro. Quando dois de Seus Discípulos caminham em direção a Emaús, o próprio Jesus Se aproxima e faz rota com eles, mas “eles não O reconhecem até o momento em que, tendo abençoado o pão, o rompe e lhes dá a comer” (cf. Lc. 24, 15-16, 30). Ele aparece aos Doze “estando as portas fechadas”. Torna-se, então, evidente que não se faz mais necessário saber simplesmente que Ele era o filho de Maria. Não havia materialmente nada que obrigasse reconhecê-Lo. Em outros termos, Ele não “fazia parte deste mundo”, de sua realidade; e reconhecê-Lo, entrar na alegria de Sua presença, estar com Ele queria dizer se converter a uma outra realidade. A glorificação do Senhor não tem a evidência vinculativa e objetiva de Sua humilhação e Sua Cruz. Só conhecemos Sua glorificação pela morte misteriosa nas fontes batismais, pela unção do Espírito Santo. Ela só é conhecida na plenitude da Igreja quando esta se reúne para encontrar o Senhor e partilhar Sua vida ressuscitada.
Partir, chegar… é o começo, a linha de partida do sacramento, a condição necessária ao seu poder e à sua realidade transformantes. A Liturgia Ortodoxa começa pela doxologia solene: “Bendito é o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em todo tempo, agora e sempre e pelos séculos dos séculos.” Desde o início, proclamamos a destinação: a rota que conduz ao Reino. É para lá que vamos, não simbolicamente, mas realmente. Na linguagem da Bíblia, que é a linguagem da Igreja, abençoar (bendizer) o Reino não é somente o aclamar, mas anunciar claramente que ele é o objetivo, o termo de todos os nossos desejos e interesses, de toda nossa vida, o valor supremo e último de tudo aquilo que existe. Bendizer é aceitar no amor e avançar àquilo que é amado e aceitado.
Assim, a Igreja é a assembleia, a reunião daqueles que receberam a revelação do objetivo último de toda vida, e que o aceitaram. Esta aceitação se exprime na resposta solene à doxologia: Amém. É, em verdade, uma das palavras mais importantes do mundo, pois que exprime o consentimento da Igreja em seguir a Cristo em Sua ascensão ao Pai, e fazer desta ascensão o destino do homem. É o dom que nos fez Cristo, pois que somente n´Ele podemos dizer Amém a Deus, ou ainda, é Ele Próprio que é o nosso Amém a Deus, e a Igreja é o Amém a Cristo. É sobre este Amém que se traça o destino da raça humana. Ele revela que a caminhada a Deus já começou.
No entanto, só estamos no começo. Deixamos “este mundo”. Reunimo-nos. Ouvimos a proclamação de nosso destino último. Dizemos Amém à tal proclamação. Já somos a eclésia, a resposta a este apelo e à esta ordem. E começamos com as “orações e suplicações”, com um louvor comunitária e jubilosa.
Mais uma vez ainda, faz-se necessário sublinhar o caráter jubiloso da assembleia eucarística. Pois a insistência medieval sobre a cruz, ainda que não seja errônea, só apresenta, todavia, um aspeto. A Liturgia, antes de tudo, é a reunião (assembleia) jubilosa daqueles que vão re-encontrar o Senhor ressuscitado e entrar com Ele na Câmara Nupcial. É esta alegria da espera, e a espera desta alegria que se exprimem nos cânticos e no ritual, nos ornamentos, nas incensações, no “esplendor” da liturgia que tão geralmente denunciamos como sem necessidade, até mesmo pecadora.
Sem necessidade, decerto, ela o é, porque estamos bem além das categorias do “necessário”. A beleza não é nunca “necessária”, “funcional” ou “útil”. E tal quando, à espera de alguém que amamos, colocamos uma bela toalha na mesa, a decoramos com velas e flores, fazemos tudo isto não por necessidade, mas por amor. A Igreja é amor, espera e alegria. Ela é o céu sobre a terra, segundo nossa Tradição Ortodoxa. Ela é a alegria da infância recoberta, esta alegria livre, incondicional e desinteressada, única capaz de transformar o mundo. Em nossa piedade adulta, séria, pedimos definições e justificações e estas estão enraizadas no temor. Temor da corrupção, das desviações, das “influências pagãs”, etc. Mas “aquele que teme não está consumiro em amor” (cf. Jo. 4, 18). Por quanto os cristãos amarem o Reino de Deus, e não se contentarem em discutir, o “representam” e o significam, na arte e na beleza. O celebrante do sacramento da alegria se apresenta revestido com uma casula esplêndida, porque inundado pela glória do Reino, porque, mesmo numa forma humana, Deus aparece em glória. Na Eucaristia, permanecemos de pé, em presença de Cristo e tal como Moisés diante de Deus, estamos lá para sermos cobertos pela Sua Glória. O Próprio Cristo trazia uma túnica sem costura que os soldados aos pés da Cruz não a rasgaram. Não a compramos no mercado, mas com toda probabilidade, fora tecida pelas mãos amantes de alguém. É verdade, a beleza de nossa preparação para Eucaristia não tem utilidade prática.
Tradução de monja Rebeca (Pereira)