A partir do século IX, o uso do pão ázimo tornou-se obrigatório no Ocidente, enquanto a Ortodoxia continuou a utilizar, exclusivamente, o pão fermentado. A questão tornou-se objeto de divisão quando as províncias da Itália bizantina — que estavam sob a jurisdição do Patriarca de Constantinopla — foram incorporadas, pela força, à Igreja de Roma, após a sua invasão pelos exércitos normandos. Nesse momento, o uso dos pães ázimos foi imposto aos ortodoxos do sul da Itália.
Na Bíblia, o pão ázimo é assim chamado, enquanto o pão fermentado é, simplesmente, chamado de pão. Os judeus, já naquele tempo, teriam esse entendimento, assim como os primeiros cristãos. Quando lemos que “Jesus tomou o pão”, este tem o significado de pão fermentado. Foi por essa razão, que os cristãos, primeiramente instruídos pelos Apóstolos e, algum tempo depois, ao ler sobre isso nos Evangelhos, implementaram o seu uso.
Na Ceia Mística, é óbvio que o Nosso Senhor pretendeu introduzir mudanças ao fazer a ligação entre a Ceia da Páscoa e a Eucaristia. Uma dessas mudanças, obviamente, era a utilização do pão fermentado (levedado), em vez do não-fermentado. O mundo estava vazio e desprovido de graça antes da vinda de Cristo, como é simbolizado pelos pães ázimos, que são planos, mas depois encheu-se da glória da Sua Ressurreição, como representado pelo pão fermentado. Cristo fez a devida alteração e a Igreja seguiu a Sua instrução.
A palavra utilizada para designar os pães ázimos em grego é azymos e aparece no Novo Testamento grego nove vezes: Mt 26:17; Mc 14:1,12; Lc 22:1,7; At 12:3; 20:6 e 1Cor 5:7-8. Já a palavra empregada para o pão fermentado é artos, utilizada 97 vezes no Novo Testamento grego. Mencionamos, aqui, as passagens relevantes no que se refere à Ceia Mística:
Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, abençoando-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: “Tomai, comei; isto é o meu corpo” – Mt 26:26; Mc 14:22; Lc 22:19; 24:30,35; 1 Cor 10:16,17 (duas vezes); 11:26-28.
Em todas essas passagens, os escritores nunca disseram que Jesus tomou o azymos e o abençoou. Eles escreveram que Jesus tomou o artos, ou seja, o pão comum, fermentado. Transcrevo uma citação do livro “Bread and Liturgy” de George Galavaris:
“O mesmo método de cozimento e as mesmas fornalhas eram utilizados pelos cristãos, tanto para o pão de cada dia quanto para o que deveria ser usado na adoração. Deve ficar claro que, ao contrário das práticas atuais no Ocidente, nos séculos iniciais do Cristianismo e em todos os ritos orientais ao longo dos tempos, exceto na igreja arménia, o pão usado para a Igreja não diferiu, em substância, do pão comum. Desde o início, o pão utilizado foi o fermentado. Mesmo os arménios, antes do século VII, e os maronitas, antes da sua união com Roma no século XII, utilizavam esse pão. A utilização de pães ázimos para a Eucaristia foi introduzida no Ocidente muito mais tarde. Dentre os primeiros escritos a esse respeito estão os de Alcuíno (A.D. 798) e do seu discípulo Rabanus Maurus. Desde então, o pão do altar ganhou destaque, feito em forma de bolacha, com ferros de pressão, tão comuns hoje em dia” (Galavaris, Bread and Liturgy, p. 54).
O adjetivo “ázimo” foi utilizado como um termo pejorativo pelos cristãos ortodoxos contra os cristãos do Rito Latino. A Igreja Ortodoxa persistiu na antiga prática oriental de utilizar o pão fermentado para o Cordeiro na Eucaristia (hostia significa “vítima” em latim). Depois de graves disputas teológicas entre Roma e as igrejas do Oriente, a utilização pelos latinos dos pães ázimos na Eucaristia — um ponto de diferença litúrgica — tornou-se também um ponto de diferença teológica entre as duas igrejas e foi uma das diversas disputas que, eventualmente, terão culminado no Grande Cisma entre o cristianismo oriental e o ocidental em 1054.
Transcrevo uma citação de um sacerdote latino e professor de teologia na Universidade de Viena chamado Johannes H. Emminghaus: “No rito latino, o pão para a Eucaristia foi, desde o século VIII, cozido com farinha e água sem fermento. Na última ceia, Cristo provavelmente tenha utilizado esse tipo de pão (matzá), que foi interpretado no memorial da Páscoa como o “pão da aflição”, o pão dos pastores nómadas que não possuíam pátria. Durante o primeiro milénio da história da Igreja, no entanto, era costume, tanto no Oriente como no Ocidente, usar o “pão diário” normal, isto é, o pão fermentado, para a Eucaristia; sendo que as Igrejas orientais ainda o utilizam e geralmente possuem proibições estritas contra o uso dos pães ázimos. A Igreja Latina, por sua vez, considera a questão como de pouca importância, já que no Concílio de Florença, que procurou reunir o Oriente e o Ocidente (1439), a diferença de costume foi simplesmente reconhecida e aceite” (Rev. Johannes H. Emminghaus, A Eucaristia: Essência, Forma, Celebração, pág. 161).
Segue uma citação de um padre jesuíta e professor de teologia na Universidade de Innsbruck:
No Ocidente, surgiram várias regras, a partir do século IX, todas a exigir o uso exclusivo dos pães ázimos na Eucaristia. Uma solicitação crescente pelo Santíssimo Sacramento e o desejo de empregar apenas o melhor pão, juntamente com diversas outras considerações da Escritura — favoreceram esse desenvolvimento. Ainda assim, o novo costume não se tornou popular até meados do século XI. Em Roma, particularmente, não foi aceite, de modo uniforme, até a infiltração geral de vários usos vindos do Norte. No Oriente, houve poucas objeções a esse uso nos tempos antigos, até as discussões que levaram ao cisma de 1054, ocasião em que se tornou, então, uma das principais objeções contra os latinos.
No Concílio de Florença (1439), no entanto, foi definitivamente estabelecido que o Sacramento poderia ser confecionado em “azimo sive fermentato pane“. Portanto, como bem sabemos, os vários grupos de orientais que estão unidos com Roma continuam a usar o tipo de pão tradicional entre eles (Rev. Joseph A. Jungmann, SJ., A Missa do Rito Romano, vol. II, pág. 34).
Noutras palavras, o costume de utilizar os pães ázimos veio das florestas da Alemanha.
Tradução: Energeia; Redação atual: Gabriela Mota