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Igumeno Cirilo (Bradette) – A VENERAÇÃO DOS ÍCONES

Nós veneramos os ícones porque nos colocam na “presença real” do que representam. A Igreja latina só emprega esta expressão para a Eucaristia. Para os ortodoxos, as palavras são escassas para a Eucaristia. Enquanto não utilizamos termos adjetivos, falamos de “mistério”. O grande mistério é o mistério da Eucaristia. Dizemos, então, “o mistério litúrgico”, “o mistério eucarístico”. Evitamos o termo “transubstanciação”, pois não podemos afirmar que a Eucaristia seja uma mudança de substância. Mas sabemos que é uma mudança de realidade, o quê não é a mesma coisa. Consequentemente, não falaremos de aparências e de substância, mas do mistério da Presença.

Logo, para o ícone, falamos de uma presença real, a partir da sua consagração. O ícone é aquilo que mostra. Quando entramos numa igreja ortodoxa, vemos os fiéis se dirigirem espontaneamente aos ícones, primeiramente ao do Cristo, em seguida, àquele da Mãe de Deus, e depois aos dos Santos, segundo a piedade da paróquia. Esta é a nossa maneira de dizer: “bom dia”. Eu me inclino, eu beijo o ícone, eu me inclino novamente. Acabo de ser impregnado pela personagem que lá está; entro em relação com uma pessoa. A pessoa de Cristo que está aqui, e a pessoa da Mãe de Deus que está lá, e São Serafim de Sarov, São João Batista e o ícone da Festa do dia, que é colocado no centro da igreja.

Partindo da iconóstase, focalizamos os elementos da plenitude da história da salvação. Esta realidade atual só tem sentido no conjunto das Grande Doze Festas do ano litúrgico. Transportar o ícone ao centro da igreja, na data em que comemoramos sua festividade, nos conduz à reflexão, pois que somos testemunhas deste elemento espaço-temporal da história da nossa salvação. Por exemplo, no dia 21 de novembro, nos deparamos com a presença do ícone da Apresentação da Virgem ao Templo; retiramos o ícone da iconóstase e o expomos no púlpito central do templo. Em seguida, ele retoma o seu lugar, porque é lá que ele faz seu sentido. O mistério que é celebrado é o mistério no seu todo; na liturgia, celebramos todos os mistérios. Celebramos o advento de Cristo; não celebramos os acontecimentos da vida de Jesus mas a ação de Cristo atualizada em sua dimensão histórica e temporal para nos fazer entrar no intemporal, tornando-nos também, hoje, testemunhas deste acontecimento, engajando-nos nele. E então, estou um pouco mais em comunhão com um elemento desta grande história. A liturgia é a celebração em seu conjunto; a veneração do ícone é a comunhão com o acontecimento parcial do mistério total do advento de Cristo. É o seu papel.

É necessário distinguir claramente os conceitos de “adoração” e “veneração”, quando falamos de ícones: nós veneramos os ícones, mas adoramos um só Deus. A doutrina da Igreja foi claramente precisa no VII Concílio Ecumênico de 787: a honra devida à imagem se dirige ao seu protótipo e aquele que venera o ícone venera a pessoa que ali está representada… Isto acontece cada vez que vemos sua representação, seja pela imagem de nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo, ou pela nossa Soberana Imaculada, a Santa Mãe de Deus, ou pelos Santos Anjos, ou pelos homens Santos e Veneráveis. Ao contemplá-los, somos incitados a nos lembrarmos dos protótipos e adquirimos mais amor por eles. Assim, somos levados a lhes prestar homenagem, testemunhando a sua veneração, e não à verdadeira adoração, que, segundo a nossa fé, convém à única natureza divina.

Não fazemos genuflexão diante do tabernáculo; inclinamo-nos três vezes diante da iconóstase e, em seguida, tocamos na terra: “Ergue-me, Senhor, porque caí, e és Tu que me ergues, pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo.” Esta é a maneira de entrar no templo. É a maneira de tomar consciência da presença dos Santos; a igreja é habitada por aqueles e aquelas que me esperam – existem muitos ícones de Santos, que estão em sua glória. Eles estão voltados para mim. Aqueles que veem Deus me olham, e eu os vejo em comunhão com Deus. De uma certa maneira, então, os Santos me fazem entrar nesta comunhão com a vida divina. Eis o mistério do ícone. É uma realidade ativa. Não se trata exclusivamente de uma imagem ou de um símbolo, mas de um instrumento que torna efetiva e real a minha relação com o mundo espiritual. É por esta razão que dizemos que os ícones são uma janela para o mundo invisível. Mas, através dela, vejo um pouco do que ela vê. E, em Cristo, vejo muito mais, porque Cristo é o perfeito revelador do Pai: “Se Me conhecessem, conheceríeis Meu Pai, desde o presente O conheceis e O tendes visto”. (Jo. 14,7). Cada Santo, à sua maneira, pela presença do Espírito, torna-se Corpo do Cristo: é a Comunhão dos Santos.

Quando tiver visto todos os Santos, quando tiver visto todos os ícones de Cristo e da Mãe de Deus, terei uma visão um pouco mais perfeita do que pode ser Deus. É o papel dos ícones. É preciso muito. Rodeemo-nos de ícones. Estas pessoas estão todas presentes; é a Igreja, a Igreja de Cristo. São aqueles que estão aqui hoje para a celebração do mistério e são estes que nos precederam na fé, que estão connosco e concelebram connosco. Dizemos especificamente numa oração da Divina Liturgia que os Anjos e os Santos estão connosco e concelebram connosco. Eles são salvos pelo mesmo mistério e ainda participam da Igreja. A iconóstase que separa a nave da igreja contém toda a história da salvação, de uma maneira muito ordenada e bem precisa. Atrás de iconóstase é o Reino do Pai, o Trono de Deus, o céu. Em consequência, a oração é o encontro do mundo visível com o mundo invisível. Não temos necessidade de ver o altar; não veríamos nada mais! Nos limites mesmo, não teríamos necessidade de ver o sacerdote. Ele é o elo do visível com o invisível. E do invisível que se manifesta visivelmente em nosso mundo, pela Palavra e pela Eucaristia. As portas se abrem, o Sacerdote vem proclamar a Palavra de Deus. A iconóstase é, ela mesma, um ícone; ela está tomada por todos os aspetos do mistério da realidade espiritual.

Nossos olhos são mais exigentes que nossos ouvidos. Estamos numa civilização impregnada pela imagem e somos geralmente dececionados pelo que não vemos, porque o que vemos não revela toda a realidade. Então, os outros sentidos nos ajudam a abrirmo-nos à contemplação, porque o que contemplamos é de natureza interior. Vemos melhor o mistério com os olhos fechados e os ouvidos abertos. Logo, o ícone permite, justamente, fixar minha atenção e é, finalmente, o que fecha os meus olhos à exigência dos sentidos, e me abre o coração à efusão do Espírito. Não podemos nos fazer ultrapassar pelos ícones porque são eles que nos tornam contemplativos. É a tomada de consciência de toda a Igreja do Oriente, ao longo dos séculos, porque são eles um instrumento de compreensão e de comunhão com o mistério.

Extraído da transcrição de uma Conferência pronunciada
na Universidade de Quebec em Montreal aos 28 de Novembro de 1996.
T
radução de monja Rebeca (Pereira)

Publicado emTeologia Ortodoxa

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