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Dom Pedro Pruteanu sobre a liberdade religiosa

Entrevista dada por Dom Pedro Pruteanu a Aryelle Bastos
da Agência BlueLine sobre a liberdade religiosa

 

Qual é a importância desta igreja na representação da história do país?

A comunidade ortodoxa de Cascais foi constituída em 2004, sendo formada por imigrantes provenientes da Moldávia, Ucrânia, Rússia, Roménia e outros países. Obteve em 2006 como lugar de culto a capela “Ermida Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes”, localizada aqui, em Cascais. Esta capela foi construída em 1634, em memória a um naufrágio que teve lugar aproximadamente no ano de 1609.

Quando se fez sentir o grande terramoto e tsunami, em 1755, que devastou toda a costa de Cascais até Lisboa, a capela e todos os fiéis que se encontravam naquele momento no seu interior sobreviveram, de forma milagrosa, apesar da sua proximidade ao litoral.

De momento, a paróquia serve também como capela episcopal para o Vicariato de Portugal, do qual sou o bispo responsável além de permanecer como pároco honorífico desta comunidade.

Já presenciou atentados ao património da sua igreja?

O maior património de uma igreja não são as paredes ou os objetos de culto, mas sim, as pessoas, os crentes que aqui vêm para se encontrar com Deus. Nesse sentido, pode-se afirmar que a privação dos crentes das condições adequadas para a oração constitui o maior atentado ao património da igreja.

A igreja onde estamos foi contruída numa altura em que Cascais era uma aldeia de pescadores. Hoje em dia, em que Cascais é um centro turístico importante, tanto para Portugal como para a Europa, e à sua volta existem locais de interesse turístico bastante movimentados, bares e música alta, torna-se difícil manter este local sossegado e tranquilo.

Por várias vezes as paredes e as portas da igreja foram grafitadas, foi mandado lixo por baixo da porta e, no cruzeiro situado do lado esquerdo da igreja, onde há uma praceta, há constantemente ajuntamentos de pessoas que consomem álcool, fazem barulho e, muitas vezes, propõem a venda de droga às pessoas que por aqui passam. Julgamos que todos estes acontecimentos vão para além de um atentado.

Na sua opinião, o que está na origem das ações de vandalização do património?

A origem dos atos de vandalismo está na falta de cultura e de respeito, mas também no facto de os próprios locais não valorizarem os lugares de culto construídos à custa de muito sacrifício pelos seus antepassados. Se os próprios moradores e locais mostrassem maior reverência ao passar em frente à igreja, os turistas e as pessoas de fora compreenderiam que a igreja é importante para a comunidade local e, que se alguém quiser integrar-se e viver aqui, deverá respeitar os seus valores.

Acredita que a liberdade religiosa, a par do direito de igualdade, é o caminho para reduzir a intolerância?                                     

A liberdade religiosa e a igualdade de direitos, tanto em Portugal como no resto da Europa, funcionam bastante bem. O que não funciona é o facto de cada direito implicar também responsabilidades e que a minha liberdade termina onde começa a liberdade de outra pessoa. Igualmente, neste mundo pós-moderno e pós-cristão, constatamos que, na maioria dos aspetos da vida social, temos problemas, não com os direitos das minorias, como acontecia outrora, mas cada vez mais como os direitos da maioria.

A intolerância religiosa é um desafio à convivência democrática?

Sim, a intolerância religiosa é um perigo para a democracia, mas também é o resultado de uma democracia mal-entendida e mal-empregada. A democracia, assim como nós a compreendemos, desenvolveu-se com base nos valores cristãos da Europa, que passaram em seguida também para a América. Ao perder estes valores e compreendendo a igualdade, não como equidade e equilíbrio, mas como um meio de nivelar as diferenças e até um meio de comunismo religioso, estamos, de facto, a destruir a democracia.

Quais as limitações que podem existir à liberdade religiosa num Estado laico?

Um Estado laico não significa um Estado com política ateísta ou sem valores morais. Significa a não interferência do clero na política do Estado, nem do Estado nos assuntos da Igreja. Mas não esqueçamos que as mesmas pessoas são cidadãs do Estado e simultaneamente membros de uma ou de outra igreja.

Penso que aquilo que o Estado poderá delimitar, em matéria de liberdade religiosa, é a não permissão que, através de religiões que vêm de fora, se dilua ou até mesmo se destrua a identidade e a cultura do próprio povo. Asseguramos, certamente, direitos aos muçulmanos, hindus ou budistas, mas estas confissões também devem entender que não são originárias deste país e que não é uma discriminação sentir-se um estranho na casa de outra pessoa, mas sim, uma normalidade, especialmente porque também os direitos dos cristãos são flagrantemente ignorados nos países islâmicos ou com outra religião maioritária que não o cristianismo.

A tolerância religiosa é uma garantia para o exercício de direitos humanos?

Depende do que entendemos por tolerância e do que entendemos por direitos humanos, porque o sentido destes conceitos, aparentemente claro, muda de uma geração para outra e de uma cultura para outra. Seja como for, a tolerância religiosa não se deve transformar numa indiferença religiosa ou numa renúncia à própria identidade e também não deve passar pela invenção de uma supra-religião que compreenda todas as religiões, mas sim, significa respeito pela pessoa que acredita em algo diferente de mim tendo como resposta essa pessoa também respeitar o facto de eu acreditar em algo diferente dela.

Quais os caminhos que podem combater essa intolerância religiosa nos dias atuais?

Sabemos, por exemplo, de inúmeras guerras e conflitos entre católicos e protestantes ou entre cristãos e muçulmanos, muçulmanos e judeus etc. Apesar de existirem certos elementos em comum entre todas as religiões e, nas confissões cristãs estes elementos comuns atingirem, por vezes 80% ou até 90% da doutrina, contudo, as guerras aconteceram, não devido aos elementos que temos em comum, mas sim, devido aos fatores diferenciadores e na tentativa de impor estas diferenças aos outros.

Não considero correto esconder ou aniquilar o que nos diferencia, mas ter consciência e valorizar esta diversidade sem a impor ao outro. Ao mesmo tempo, cada um tem que respeitar os valores comuns. Quando um muçulmano se revolta na Europa contra o movimento LGBT, ele não se revolta contra o cristianismo, mas contra o facto de os cristãos terem abandonado os seus próprios valores.

O que vê como mais urgente a fazer para uma democracia religiosamente mais tolerante?

O mais urgente é cada um de nós conhecer e viver a própria fé. Isto não significa aniquilar ou discriminar o próximo. A intolerância tem origem, em primeiro lugar, na ignorância.

Conhece invasões ao seu espaço de culto?

Para além dos distúrbios mencionados anteriormente, não houve outros. Geralmente damo-nos bem com toda a gente e, especialmente com a comunidade católica de Portugal, que nos concedeu tantas igrejas para celebrarmos a missa e com quem também temos um milénio de história em comum.

O que interfere com a sua partilha com Deus quando está neste espaço?

A aglomeração e o barulho. Costumo dizer que “em Cascais há duas estações, o inverno e o inferno” – e o inferno não se refere às temperaturas elevadas dos meses de verão, mas em primeiro lugar às condições nas quais somos obrigados a celebrar a missa.

Crê que nos locais de culto é onde pode ter maior ligação com o seu Deus?

Certamente, e a maneira de cada um de nós falar com Deus gerou também diferentes estilos de igrejas. As igrejas católicas são bastantes adequadas para a celebração das missas ortodoxas, mas nós temos esperança de poder construir a nossa própria igreja e ter uma maior autonomia.

A intimidade com Deus alimenta a vida religiosa quando experienciada em locais de culto?

Sim, com certeza. E esta intimidade significa pôr de lado qualquer objeto ou situação que nos impeça disso. O homem moderno é muito superficial e não mergulha dentro de si mesmo; é por isso que nem compreende a intimidade com Deus, nem a valoriza. Acerca deste tema não há muito que falar, cada um tem que experienciar pessoalmente a sua relação com Deus, tanto na igreja como em casa, no emprego ou na escola.

Publicado emPerguntas e respostas

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