Lembra-te de Deus com mais frequência do que respiras.
(São Gregório de Nazianzo)
UM FANTASMA NUMA MÁQUINA?
“Glorifica a Deus no teu corpo”, disse São Paulo (1 Co 6:19). Mas como, na prática, isso pode ser feito? Como podemos tornar a nossa parte física um participante ativo no trabalho de oração? Isso é algo que, como cristãos, precisamos pensar, especialmente nos tempos que correm, pois estamos a viver numa época em que, tanto na filosofia como na física e na psicologia, mostra-se cada vez menos útil defender uma dicotomia entre o espírito e a matéria, entre a alma e o corpo. A declaração de Carl Gustav Jung é típica: “O espírito é o corpo vivo visto de dentro e o corpo é a manifestação exterior do espírito vivo – os dois são, realmente, um.” [1] Se os escritores da espiritualidade cristã continuarem a assumir um forte contraste entre o corpo e a alma – como frequentemente o fizeram no passado – as suas palavras parecerão, cada vez mais, irrelevantes para os seus contemporâneos seculares.
Na realidade, uma divisão entre o corpo e a alma – do tipo platónico – não tem lugar na tradição cristã. A Bíblia vê a pessoa humana em termos holísticos e, apesar da pesada influência do platonismo, esse ponto de vista unitário tem sido, repetidamente, reafirmado no cristianismo grego. “A alma em si é a pessoa?”, foi uma pergunta encontrada num texto atribuído a Justino Mártir (165 d.C). “Não, é simplesmente a alma da pessoa. Chamamos de corpo a pessoa? Não, chamamos o corpo da pessoa. Então, a pessoa não é nenhuma dessas coisas por si só, mas sim o todo único formado a partir de ambas. ”[2] O teólogo grego contemporâneo Christos Yannaras insiste, em termos semelhantes, que o corpo deve ser considerado não como uma “parte” ou “componente” da pessoa, mas como o “modo de existência” total da pessoa, como a manifestação, para o mundo exterior, das energias da nossa natureza humana na sua integralidade. [3] Não sou um “fantasma numa máquina”, mas uma unidade indivisa. O meu corpo não é algo que tenho, mas algo que sou.
Não é suficiente, no entanto, afirmar essa antropologia holística na teoria. Precisamos dar uma expressão concreta e prática à nossa teologia dos Sacramentos, especialmente o da Eucaristia e o do Matrimónio e, igualmente, à nossa teologia da oração. Muitas vezes, porém, no ensino cristão, isso não foi feito. Numa definição famosa, Evágrio Pôntico (345-399) descreveu a oração como “a comunhão do intelecto [nous] com Deus”; é “a mais alta inteleção do intelecto (…) a atividade que melhor corresponde à dignidade do intelecto (…). Aproxima-se do imaterial dum modo não-material. ”[4] Fica, então, a pergunta: que lugar tem o corpo no empreendimento da oração? De facto, Evágrio foi menos anti-físico do que essas palavras sugerem, uma vez que atribuiu, na oração, uma importante função às experiências corporais, como o dom das lágrimas. [5] Mas a definição que fez da oração nos transmite, certamente, a infeliz impressão de marginalizar o corpo.