Introdução
Nas palavras do Nosso Senhor Jesus Cristo, o princípio da salvação do ser humano está no seu renascimento espiritual: “(…) Em verdade, em verdade te digo que quem não renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne, é carne, e o que nasceu do Espírito, é espírito” (João 3:5-6). Este nascimento com a água e o Espírito é efetivado no mistério do batismo.
No batismo, o ser humano purifica-se das impurezas do pecado, liberta-se da escravidão das paixões e renasce para uma vida espiritual. O batismo é de tamanha força espiritual que se realiza apenas uma vez, apesar de, após o batismo, a vida do ser humano poder vir a não corresponder a uma elevada vocação cristã. Sob este ponto de vista, o batismo pode se assemelhar a uma lamparina espiritual, acesa pelo Espírito Santo no coração do ser humano. A chama desta lamparina pode ora aumentar, ora diminuir, mas nunca será totalmente extinguida. O nosso objetivo mais importante é aumentar esta chama sagrada a fim de que se transforme numa brilhante labareda.
Neste artigo, tentaremos revelar o significado e a força do mistério do batismo e a sua ligação com o mistério do Crisma, na esperança de que, tendo um conhecimento mais profundo acerca destes santos mistérios, o leitor possa ser induzido a aproveitar-se da grande riqueza espiritual adquirida através do batismo.
O significado do batismo
O mistério do batismo está intimamente relacionado com a presença do dano pecaminoso na humanidade. O ser humano já chega ao mundo com a natureza atingida pela perdição do pecado. Com o passar dos anos, como uma planta daninha, o pecado cresce e se fortalece cada vez mais e mais e lentamente passa a escravizar a alma humana. Consequentemente, não apenas individual, mas também socialmente, a vida como um todo acaba por ser envenenada pelo pecado; e é dele que provém toda a desgraça humana: o crime, o sofrimento, vários delitos, a morte física e o mais importante, a morte espiritual.
Jesus Cristo, o Filho Unigénito de Deus, veio à terra para aniquilar o pecado e dar oportunidade à humanidade de obter a eterna e feliz vida no Reino dos Céus. O renascimento espiritual no homem inicia-se na fé em Jesus Cristo, no verdadeiro desejo de ser libertado do jugo do pecado e levar uma vida de acordo com a vontade de Deus. Com este renascimento, o nosso Senhor Jesus Cristo consentiu-nos, ainda, a ressurreição dos mortos, quando diz: “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem, viverão” (João 5:25). Porém, somente a fé e o desejo do ser humano não são suficientes. É preciso a força da graça para que se realize o renascimento espiritual do indivíduo. Esta força da graça penetra na alma da pessoa, submergindo-a em água, durante o batismo.
Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu o mistério do Batismo, após a Sua ressurreição dos mortos, quando apareceu aos Seus discípulos e disse: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei…” (Mt 28:19-20). “O que crer e for batizado, será salvo; o que, porém, não crer, será condenado” (Mc 16:16).
Seguindo a ordem do Salvador, os apóstolos pregavam a fé em Jesus Cristo nos lugares onde chegavam e batizavam todos aqueles que a Ele se convertiam. O primeiro Batismo em multidão ocorreu no dia em que o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos, quando após o sermão de Pedro, os ouvintes perguntaram o que deveriam fazer para serem salvos. Ao que o Apóstolo replicou: “Fazei penitência e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão de vossos pecados; recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2:38).
O significado do Batismo é explicado, ainda mais, pelo apóstolo Paulo em sua Epístola aos Romanos: “Vós não sabeis que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na Sua morte? Nós fomos, pois, sepultados com Ele, a fim de morrer (para o pecado) pelo batismo, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim nós vivamos uma vida nova” (Rom 6:3-4). Ao morrer na cruz, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo carregou consigo todos os nossos pecados e, deste modo, purificou-nos. A Sua morte na Cruz tem o poder de lavar todos os nossos pecados. Todos aqueles que são batizados, são imergidos na morte de Cristo e na força da purificação dos Seus sofrimentos na cruz. Esta força destrói completamente todo o pecado, de maneira que nenhum traço fique remanescente. Isso pode ser comparado a colocar um pedaço de minério em uma solução química, a qual dissolve todas as impurezas e acaba por deixar o ouro puro.
Quando alguém é purificado do pecado, ele se liberta do seu jugo e é livre para seguir a sua vida espiritual. Nas Sagradas Escrituras, o nascimento espiritual é denominado de “primeira ressurreição,” para o diferenciar da segunda, a ressurreição física, que ocorrerá antes do final do mundo (cf. Apoc 20:5). A pessoa batizada torna-se um filho amado de Deus, sendo adotada por Ele como filho ou filha, pela graça de Cristo.
Isto não significa que o ser humano batizado seja livre de todas as tentações ou da luta espiritual. As lutas espirituais são inevitáveis para toda a pessoa que vive neste mundo de tentações. Quem não é batizado, não tem forças para lutar contra o pecado e é escravizado por ele; ao passo que o batizado é liberto do pecado e recebe ajuda para lutar contra as tentações.
São Marcos Asceta, elucida o mistério do Batismo da seguinte maneira: “Tu envolveste-te em Cristo pelo Batismo e tens o poder e as armas para dominar os pensamentos pecaminosos (…) O Santo Batismo liberta-nos totalmente da escravidão do pecado (…) Se, após o Batismo, somos submetidos ao pecado, não é porque o Batismo não tenha sido consumado, mas, é porque nós não nos esforçamos no cumprimento dos Mandamentos e vivemos para a nossa própria satisfação e o nosso próprio desejo. Atarmo-nos novamente aos desejos do demónio ou permanecermos livres através da realização dos Mandamentos é uma questão da nossa livre vontade (…) Quando, após o Santo Batismo, somos capazes de cumprir os Mandamentos, mas não o fazemos, outra vez, indesejavelmente, tornamo-nos escravos do pecado, até que supliquemos a Deus para eliminá-los de nós, através do arrependimento” (Filocalía, tomo1º).
Todo o cristão deve compreender que, ao superar as tentações, progride moralmente, ao mesmo tempo em que cresce e se torna espiritualmente mais forte. A chave para isto é o esforço pessoal. Se não existisse a luta, não existiriam pessoas justas. Na luta contra as tentações, o cristão não está só, mas recebe uma grande ajuda do Espírito Santo, através do Crisma, via de regra realizado imediatamente após o Batismo.
O significado do Crisma
Somente com a morte e a ressurreição de Cristo, terminada em Pentecostes — a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos — o Batismo do cristão atinge a sua realização no Crisma. No Batismo, o ser humano é enterrado e ressuscitado com Cristo; no Crisma é-lhe dada a graça do Espírito Santo. Desta maneira, pode-se ver como o milagre do Pentecostes é continuamente renovado na Igreja através destes mistérios.
O significado do Crisma encontra-se nas mais importantes e fundamentais palavras do mistério, as quais constituem a declaração conclusiva: “O selo da dádiva do Espírito Santo.” Estas palavras estão: a) como ato decisivo, confirmando a entrada da pessoa batizada na Igreja, b) como fonte das forças sagradas, dadas àquele que foi batizado para o seu fortalecimento e crescimento na vida espiritual.
São Cipriano (séc. III) escreveu: “As pessoas batizadas na Igreja são marcadas com o selo justo do Senhor, como outrora os cristãos samaritanos receberam o Espírito Santo dos apóstolos Pedro e João, através da imposição das mãos e oração… O que lhes faltava foi realizado pelos Apóstolos… (isto é, o Espírito Santo, pois eles haviam sido batizados somente em nome de Cristo). Isto também acontece connosco… nós tornamo-nos completos, com o selo do Senhor” (Cf. At 8:14-17). São Cipriano confirma que os antigos, quando se tratava do nascimento através da água e do Espírito, entendiam que o nascimento através da água se referia ao Batismo físico, enquanto o Crisma era o nascimento através do Espírito. São Efrém, o Sírio, (séc. IV) escreveu: “O selo do Espírito Santo sela todas as entradas na sua alma, enquanto que o selo do Crisma sela todos os seus membros.”
No tempo dos Apóstolos, as dádivas do Espírito Santo eram outorgadas através da imposição das mãos. Podemos ler sobre isto nos Atos dos Apóstolos, quando o Apóstolo Paulo encontrou alguns discípulos em Éfeso, que tinham recebido somente o batismo de João. Ele impôs-lhes as mãos e desceu sobre eles o Espírito Santo: “Ora, os Apóstolos que estavam em Jerusalém, tendo ouvido dizer que a Samaria tinha recebido a palavra de Deus, mandaram para lá Pedro e João, os quais, tendo chegado, fizeram oração por eles, a fim de receberem o Espírito Santo; porque ele ainda não tinha descido sobre nenhum deles, mas somente tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus. Então impunham-lhes as mãos e recebiam o Espírito Santo” (At 8:14-17; 19:2-6).
Como foi a abençoada imposição das mãos substituída pela unção com mirra? É muito provável que, pela impossibilidade dos Apóstolos visitarem pessoalmente a todos os novos batizados convertidos e assim poderem impor as suas mãos sobre eles, substituíram esta prática pela unção com a mirra, a qual era abençoada por eles e distribuída aos representantes de muitas igrejas; assim como nos lembrou o apóstolo Paulo: “Ora, o que nos confirma em Cristo convosco e que nos ungiu, é Deus, o qual também nos imprimiu o seu selo e deu em nossos corações o penhor do Espírito” (2Cor 1:21-22). As palavras essenciais do Mistério – “o selo do dom do Espírito Santo” – têm, desta maneira, uma base nessas palavras dos Apóstolos.
Além disso, São Paulo escreveu: “Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, pelo Qual fostes marcados com um selo para o dia da redenção” (Ef 4:30). Nas Sagradas Escrituras, o “dia da redenção” se refere ao Batismo, enquanto que a “existência selada” pelo Espírito Santo significa o selo do Espírito Santo, que se seguiu imediatamente após o Batismo.
O óleo de mirra (e não outra substância) é usado no mistério do Crisma porque, mesmo no Velho Testamento, o óleo era usado para dotar as pessoas com dons espirituais particulares (Êx 28:41; 1Sam 16:13; 1Rs 1:39). O renomado escritor Tertuliano do terceiro século dizia: “Após a saída da pia batismal, untávamo-nos com um óleo abençoado, assim como os antigos eram untados com o óleo do chifre para o sacerdócio”.
A palavra “cristão” foi sempre intimamente associada pelos Santos Padres da Igreja com a palavra “Crisma.” Cristão significa Ungido. São Cirilo de Jerusalém escreveu: “Tendo se tornado um adepto de Cristo, vocês são merecedores de serem chamados cristãos, isto é, um dos ungidos, assim como Deus disse: “Não toqueis os Meus ungidos…” (Sl 104:15).
Em todos estes trechos dos Apóstolos Paulo e João, o termo unção indica que o cristão é dotado com os dons do Espírito Santo, os quais tradicionalmente, desde os tempos do Antigo Testamento, eram transmitidos aos escolhidos através da unção com o óleo santo. Na Epístola do Apóstolo João, lemos: “Porém vós recebestes a unção do Santo e sabeis todas as coisas… permaneça em vós a unção que recebestes Dele. Não tendes necessidade que ninguém vos ensine; mas porque a sua unção vos ensina todas as coisas, e ela é verídica e não mentirosa, permanecei Nele, segundo ela vos ensinou” (1João 2:20, 27).
As narrativas dos Atos dos Apóstolos confirmam que, além do recebimento dos dons espirituais do Espírito Santo, a imposição das mãos ou o Crisma depois do Batismo servem para confirmar a outorga do Batismo e selar a união de todos os batizados com a Igreja. Este é o porquê desses atos terem sido realizados pelos próprios Apóstolos e subsequentemente pelos seus sucessores, isto é, os Bispos. Ao passo em que uma pessoa nasce através do Batismo para uma vida espiritual, o Crisma torna-a um participante da graça na vida da Igreja.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O BATISMO
Sobre a imersão em água
O Batismo deverá ser feito através da imersão em água. A palavra grega “baptizo” significa “imersão.” O batismo de um eunuco por Filipe é descrito nos Atos dos Apóstolos: “Mandou para o coche, e desceram os dois à água, Filipe e o eunuco, e o batizou. Tendo saído da água, o Espírito Santo arrebatou Filipe, e o eunuco não o viu mais…” (At 8:38-39). A tripla imersão em água é acompanhada pelas palavras: “O servo de Deus é batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,” de acordo com o mandamento do Próprio Cristo (Mt 28:19). Essa era a maneira do batismo, feita na Igreja antiga, como é citada na Epístola do Apóstolo Barnabé. Tertuliano observa isto claramente através das palavras prescritas por Cristo: “… a maneira do batismo foi determinada.” Ele testemunha ao batizado, a tripla imersão, assim como a necessidade da renúncia a satanás e aos seus anjos e depois disso, a confissão da fé.
Batismo da criança
O batismo de uma criança reflete o desejo ardente dos pais de ver o seu filho tomar parte da bênção de Cristo assim que possível. Ao ser batizada, a criança começa a evoluir no ambiente da Igreja. Para ela, a Igreja é a sua casa familiar.
A prática do batismo infantil é bastante antiga, datada do tempo dos Apóstolos e começou nas palavras de Cristo: “… Deixai os meninos, e não os impeçais de vir a mim, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 19:14).
Os escritos dos Apóstolos contêm muitos exemplos de famílias inteiras que se tornaram cristãs, como por exemplo a casa do carcereiro e a casa de Estéfano (cf. 1Cor 1:16). Em nenhum lugar é mencionado que as crianças foram excluídas. Nos seus fervorosos Sermões, os Santos Padres da Igreja insistiam no Batismo das crianças. São Gregório, o Teólogo, dizia às mães cristãs: “Tem uma criança? Não permita que a sua corrupção seja fortalecida através do tempo; deixe que a criança seja abençoada e consagrada pelo Espírito Santo desde a sua infância. Por causa da sua fraca natureza, você tem medo do selo… O fraco-coração de mãe de pouca fé? Mas, Ana, mesmo antes de ter dado à luz, prometeu Samuel a Deus, e logo depois do seu nascimento, consagrou-o e trouxe-o para ser sacerdote, sem medo das fragilidades humanas, mas tendo fé em Deus.”
Ao mesmo tempo, é necessário que todos aqueles que trazem as suas crianças para serem batizadas, compreendam a responsabilidade que eles assumiram pela educação da criança na fé e nos bons costumes cristãos. Nós encontramos estas diretrizes no livro “A Hierarquia Eclesiástica,” atribuída a São Dinis Areopagita, considerado um Santo Padre pela Igreja: “Os nossos mestres entenderam apropriado admitir o batismo da criança sob a santa condição de que os pais naturais devem confiá-la a uma pessoa de muita fé, a qual instruirá profundamente a criança nos assuntos espirituais e, posteriormente, preocupar-se-á com ela, tal qual um pai enviado de cima e um guardião da salvação eterna do bebé. Esta é a promessa dessa pessoa (incumbida de guiar a criança para uma vida devota) a qual incita o sacerdote a pronunciar as palavras de renúncia (do demónio) e a sagrada confissão de fé.”
Batismo irrepetível
O décimo artigo do Credo de Nicéia declara: “Eu confesso UM só batismo para a remissão dos pecados.” Isto significa que, se o batismo é realizado corretamente através da tripla imersão em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ele, exatamente como um nascimento espiritual, não pode ser repetido. Este é o porquê de a Igreja aceitar hereges em seus vincos pelo crisma, e não pelo batismo; contanto que eles tenham sido corretamente batizados de acordo com a ordem da Bíblia e da Igreja tradicional. Os ortodoxos têm de renovar o mistério de seu batismo através do arrependimento, confissão e a participação nos Santos Sacramentos.
Sobre os padrinhos
Os padrinhos da criança ou do adulto recém-batizados servem-lhes como pais espirituais. Eles são os responsáveis pelo seu desenvolvimento espiritual. Eles oram pelos seus afilhados e auxiliam-nos com conselhos ou ajuda durante as fases difíceis das suas vidas. Em outras palavras, ser padrinho não é somente uma honra, mas é uma grande responsabilidade. Durante o batismo, é comum haver dois padrinhos (um padrinho e uma madrinha), mesmo que um só seja o suficiente. Eles precisam ser ortodoxos devotos, assim como serem assíduos frequentadores da igreja, para que possam exercer uma boa influência sobre os seus afilhados. Normalmente, serão eles a oferecer uma cruz para ser usada pelo recém-batizado.
Nome do recém-batizado
Durante o batismo, é dado, à criança ou ao adulto, o nome de um santo pertencente à Igreja. Este santo torna-se o padroeiro celestial da pessoa. Todos deverão conhecer a vida do seu Santo Padroeiro e tentar participar da Santa Comunhão no dia deste santo ou no dia mais próximo da data da sua comemoração.
Padre Alexandre Mileant,
Redação final: Gabriela Mota