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António Constantino: A Distinção entre Essência e Energia e a sua Importância para a Abordagem ao Ser na Ontologia Neo-Patrística de Christos Yannaras

I. Introdução

Christos Yannaras é um filósofo e teólogo grego que faz parte da chamada corrente neo-patrística do pensamento ortodoxo. A corrente neo-patrística foi fundada pelos teólogos da diáspora russa, nomeadamente Georges Florovsky, Vladimir Lossky, John Meyendorff, etc. Tendo sido formada como reação à catividade da teologia ortodoxa por formas ocidentais e escolásticas de fazer teologia, ou seja, visou recuperar a perspectiva ortodoxa, que estava refém de um intelectualismo abstracto que lhe era estranho. Deste modo, a teologia neo-patrística recuperou a concepção apofática de Deus e dos entes, assente na distinção entre essência e energia. Tal concepção tem como resultado uma abordagem existencial e experiencial à Verdade, em contraposição com uma abordagem abstracta sobre a mesma. É precisamente essa abordagem apofática e experiencial que é o tema deste trabalho.

II. O objecto do conhecimento

De acordo com Christos Yannaras, o conhecimento não lida como uma essência em si, mas sim com uma essência em relação, ou seja, uma essência que se faz presente para um outro no acto de ex-tase (auto-transcedência). Isto significa que nós não conhecemos os entes como essências, mas sim como presenças, sendo a presença um ato pessoal e existencial.

A natureza é pessoal porque só existe nas pessoas e são estas que a revelam ao agirem naturalmente. Deus só existe enquanto Trindade de Pessoas e não como uma essência impessoal. Por isso, são as Pessoas Divinas que revelam a essência que Lhes é comum, e não o contrário, ou seja, as pessoas têm prioridade sobre a essência.

A natureza é sempre conhecida na experiência da revelação do outro, que não revela apenas a sua natureza (espécie universal), mas também aquilo que lhe é próprio enquanto pessoa ou hipóstase, ou seja, o nosso contacto com a natureza universal é sempre mediado pela particularidade das hipóstases. Assim, a natureza é o conteúdo das pessoas, conteúdo esse que se revela de forma única em cada pessoa. São Máximo diz que cada particular está unido ao universal de forma única e irrepetível.

Ao conceber o Ser como conteúdo da pessoa, Yannaras apresenta a relação, e não o tempo, como o meio de revelação do Ser. É na relação com o outro que o Ser se consegue abrir e sair fora de si. O tempo, ao contrário, não implica a revelação, pois pode ser um tempo de isolamento e estagnação. O tempo que se passa isolado e sem relação é sempre um tempo de ocultação do Ser e não de abertura e revelação. Enquanto na relação há a possibilidade de revelação do Ser, embora esta possibilidade não se actualize sempre devido ao pecado que impede a abertura e receção.

A concepção do tempo como horizonte da revelação pressupõe uma concepção ôntica e atómica de individualidade, bem como uma abordagem impessoal ao Ser. Tal acusa um egocentrismo no qual o indivíduo atómico experiência algo isoladamente através do horizonte temporal. Pelo contrário, ao conceber a relação e não o tempo como horizonte da revelação, Yannaras supera a concepção ôntica e atómica do ser humano, herdada pelo cartesianismo, que fecha o sujeito sobre si mesmo com os seus pensamentos privados que toma pelo Ser, e apresenta a possibilidade da relação com os outros e com Deus como formativa da personalidade e como horizonte do conhecimento do Ser.

«But with the ontological presupposition of the Christian East we should understand disclosure as personal relation and nothingness as the absence of relation, whereupon it is no longer temporality but relation which defines the unique possibility of understanding Being as presence and absence. (…) Being or nothingness, the truth or forgetfulness of being, is the reference or non-reference to the person, the revealing or the hiding of the principle of Being as content of the person»; Christos Yannaras, Person and Eros (trad. Norman Russel, Holy Cross Orthodox Press), p. 35.

O Ser é revelado pessoalmente. Deste modo, a Verdade, como revelação do Ser, é apreendida na relação com o outro que manifesta o Ser como seu conteúdo.

O descobrir do Ser na existência pessoal, é alcançado pela vida ascéptica e moral, ou seja, não é algo de imediato, mas um longo processo de progresso moral que se torna acessível na relação existencial e não no pensamento abstracto.

Na relação pessoal, o sujeito participa na coisa que está a experienciar, se bem que não participa na sua essência, mas sim nas suas energias que a tornam presente e participável para o outro.

A Verdade como a-litheia (revelação, descoberta, manifestação) levam os ortodoxos a ter uma concepção experiencial e participativa da mesma, oposta à concepção latina assente no pensamento abstracto e amputado da realidade.

A Verdade para os helénicos cristãos é considerada como um evento em que as pessoas participam.

A energia é o espaço (topos) onde se dá a relação. Deste modo, a relação pessoal não está limitada ao espaço físico, mas supera-o, abolindo a distância que o caracteriza. É a energia pessoal que permite a relação. A energia é o êxtase da pessoa face à natureza—o Ser ex-siste como revelação pessoal.

O mundo é distinto por natureza de Deus, mas, ao mesmo tempo, é a realização das energias divinas. Deus cria o mundo como o local (topos) da Sua manifestação e habitação extática, ou seja, extra-divina.

Sendo que o conhecimento tem como o objecto a revelação da pessoa, que se manifesta na experiência através das energias, o conhecimento refere-se à presença (parousia) e não à essência (ousia). A presença é a ex-sistência do Ser ou da essência, a sua revelação fora de si e para o outro.

A pessoa não só é revelada na relação, como também é actualizada pela mesma, ou seja, a pessoa é uma realidade referencial que só existe no contraste com os outros. Ser pessoa significa estar oposto a algo, estar em relação. Do grego prosopon que significa estar oposto ao outro.

A pessoa, como realidade única e irrepetível, é actualizada como tal na relação com os outros. É a relação que revela e actualiza a diferença.

A liberdade humana não é determinada pela natureza biológica, mas tem a capacidade de se autodeterminar, de actualizar um modo de existência oposto ao da necessidade biológica.

Podemos dizer que a liberdade humana se manifesta a partir do nada, no sentido de indeterminação. A liberdade humana, ao agir, traz algo de novo à existência que não estava determinado pela natureza, mas que resulta da alteridade existencial da pessoa, que manifesta o seu modo único de ser na sua relação com o mundo.

Embora a pessoa herde da natureza as suas energias, a verdade é que o modo como usa as mesmas é indeterminado e reflecte a sua alteridade existencial. Deste modo, a criação a partir “do nada”, no contexto humano, refere-se à indeterminabilidade da liberdade da pessoa que escolhe o modo como usa e actualiza as suas energias naturais. Assim, a racionalidade e o discurso, embora sejam energias naturais, são actualizadas pela pessoa de modo livre e expressando a sua alteridade existencial que faz um uso indeterminado das energias herdadas.

 

III. A Verdade como Evento

A relação existencial é o que possibilita a revelação do Ser, uma vez que o Ser é o conteúdo da pessoa e é apenas na medida em que nos abrimos para a revelação da pessoa que conseguimos aceder à Verdade. O conhecimento não é, assim, a identificação entre o pensar e o ser, mas sim um evento participativo e inefável, em que os conceitos da razão servem apenas para o significar, mas jamais o poderão esgotar.

Os conceitos abstractos que simbolizam a Verdade têm o papel de nos despertar o desejo para a experiência da Verdade como revelação do Ser. Esta experiência põe fim ao pensamento abstracto sobre a mesma, através da participação activa na realidade significada.

As energias pessoais são o Ser a tornar-se presente e participável. A Verdade como evento da revelação do Ser pressupõe a distinção entre essência e energias. A Verdade é o modo de existência autêntico, aquele que revela o Ser (ousia). Esta revelação é o êxtase da natureza através das energias das pessoas.

A pessoa é a fonte de onde brotam novas energias para o cosmos. Por isso, o cosmos não é um mecanismo fechado e determinado, mas sim um organismo vivo que está permanentemente a ser criado pelas pessoas que o compõem.

A actualização das energias da natureza pela alteridade existencial da pessoa é um processo criativo que traz sempre algo de novo à existência. De facto, é a liberdade indeterminada da pessoa que traz à luz o Ser nas energias. Nas suas energias a pessoa traz o Ser à existência. O cosmos está permanentemente a receber acréscimos de energias através da actividade criativa das pessoas que trazem algo de novo à existência através da indeterminabilidade da liberdade.

De acordo com Berdyaev, que exprime a visão cristã, o processo criativo consiste em três elementos: a liberdade (o nada indeterminado); a graça do Espírito Santo (dons, talentos) e o mundo como horizonte da actividade.

 O acto criativo é o manifestar dos dons da graça no mundo através do esforço da liberdade. É o elemento da liberdade que é responsável pela introdução de novas energias no cosmos, pois sem esta os talentos ficam por realizar.

A Verdade não responde ao quê, mas sim ao como. A Verdade não é uma essência inteligível e acessível ao intelecto, mas sim o modo de existência autêntico, ou por outras palavras, é a revelação do Ser na existência dos entes. O Ser revela-se como o conteúdo da pessoa que só se abre na relação interpessoal. Deste modo, o conhecimento não lida com a essência em si, que é uma abstracção, sem existência real, mas sim com a revelação existencial do Ser. Tal revelação não se identifica com a essência, embora a revele ad extra. A revelação refere-se às energias da natureza que a tornam presente e a revelam para o outro, dando-se esta revelação através da pessoa. A natureza só ex-siste na pessoa, não há uma natureza impessoal. A natureza ex-siste sempre como revelação pessoal.

Há, então, uma distinção entre essência e energias, embora tal não implique uma separação. As energias são os actos pessoais que revelam a essência fora de si, ad extra, a sua ex-sistência. No entanto, a essência permanece transcendente às energias que a revelam, como também a pessoa permanece transcendente em relação aos actos que a revelam para os outros. Assim, podemos distinguir entre três elementos que, embora sejam distintos, se interpenetram: a essência; a hipóstase (pessoa) e as energias. A primeira é o conteúdo da segunda que a revela através das terceiras. Deste modo, a natureza é o conteúdo da pessoa que a revela através das energias. A energias revelam a natureza porque são naturais, embora não se identifiquem com a própria natureza. No entanto, as energias são, ao mesmo tempo, sempre pessoais, o que significa que o ser ou natureza é sempre revelado com o traço distinto e marcante da pessoa, traço esse que é único e irrepetível.

São Máximo afirmou que o universal está sempre unido a cada particular de forma única e irrepetível, de modo que conseguimos reconhecer a personalidade única através das suas energias naturais, pois a pessoa manifesta estas de uma maneira que lhe é própria. Por exemplo, as expressões faciais e o próprio rosto, embora sejam naturais, existem sempre pessoalmente, ou seja, cada rosto é diferente e único, como revelação pessoal da natureza. O mesmo se aplica às obras de arte de um artista, através das quais conseguimos distinguir o estilo e traço característico do seu criador.

Podemos fazer a distinção entre dois tipos de energia. Uma é de carácter imediato e refere-se à presença dos entes. Os entes só por serem radiam a sua energia pessoal que os torna presentes. O outro tipo de energia assemelha-se àquilo que, na linguagem comum, é denominado de “operação” ou “actividade”, isto é, um acto propriamente dito em que o ser realiza algo. O resultado deste tipo de energia permanece na ausência do seu ser originário. Refiro-me aqui a todos os produtos da actividade criativa que são um polo de onde continua a radiar a energia criativa do seu criador. Isto aplica-se especialmente às obras de arte que são o tipo de criação mais pessoal, na qual conseguimos reconhecer o estilo distinto do criador.

 

IV. A necessidade do ascepticismo para o conhecimento

O conhecimento da Verdade é formado na relação pessoal com o mundo. Tal relação pressupõe o ascepticismo, que permite o descobrir da faculdade cognitiva das paixões que distorcem a recepção da Verdade. Deste modo, a formação do conhecimento é um acto moral que pressupõe a purificação do sujeito cognitivo das paixões que ofuscam a sua percepção do mundo.

Podemos perceber que a submissão da realidade a pressupostos ideológicos resulta da paixão do ego pela sua segurança e fortificação. É uma forma de egocentrismo em que o ego quer ter sempre razão, distorcendo os factos de forma a convir à sua auto-satisfação.

A tecnocracia é a consequência da abordagem abstracta ao conhecimento. A sistematização abstracta e intelectual tem como consequência a exclusão da revelação existencial da Verdade, que se dá na relação pessoal com o mundo e que não é reduzível aos conceitos da razão, e a consequente instrumentalização do conhecimento à utilidade. Quer dizer, o mundo é despojado do seu elemento pessoal e é forçado a submeter-se à vontade de poder de um pensamento tecnocrático.

Pelo contrário, a abordagem existencial e apofática leva ao respeito pelo mundo como concretização das energias divinas.

«When theology, as an apodictic methodology, objectified knowledge, when it took truth to be an object of the intellect and excluded truth as a fact of personal relation, it also excluded the possibility of a personal approach to the world. It ruled out a personal relation with the logos of things, with the disclosure of God`s personal energy in Creation. (…) And when knowledge of the world is not realized as personal relation, when it does not aim at the reception and study of the logos of things, the only motive that can stimulate human interest in knowledge of the world is its usefulness.» Yannaras, Person and Eros, p. 100

A Verdade como alteridade exige a renuncia ao subjectivismo e a conformação ao objecto. O autossacrifício, que é o pré-requisito para o conhecimento, consiste no indivíduo não procurar a sua afirmação e fortificação, mas sim em aceitar e conformar-se à Verdade como outro e não como mesmo. A Verdade é transcendente ao sujeito e não imanente. Esta atitude envolve uma relação de conciliação (sobornost) com os outros sujeitos. Deste modo, a discussão dialéctica envolve a renúncia à autoafirmação e o compromisso à conformação à Verdade, tal como ela é descoberta no diálogo com os outros e na experiência.

Yannaras faz um contraste entre a relação económica com o mundo, assente na sua transformação pelo labor humano a fim de preservar a vida da espécie, e a relação pessoal com o mundo que se caracteriza como o descobrir dos logoi, que são revelados na existência dos entes. A primeira relação é condicionada pela necessidade biológica, já a segunda, pressupõe a libertação em relação a essa necessidade, libertação essa que se dá na prática ascéptica.

Segundo Berdyaev, o propósito da vida moral criativa é a realização do belo e não do bem, uma vez que o belo é o resultado da energia do bem que transfigura a criação.

A moral criativa é a criação da beleza através da energia do bem. Por ter como objectivo a beleza é existencial e não normativa e abstracta.

Tal como o conhecimento não lida com uma essência em si, mas sim com uma essência que se faz presente nas energias que a revelam fora de si, também a moral não pretende actualizar a ideia abstracta do bem, mas sim manifestá-lo energicamente, dando origem ao belo como modo existencial do bem.

 

V. Conhecimento abstracto versus conhecimento experiencial

O conhecimento abstracto é de carácter simbólico ou icónico, assentando na diferença entre o conceito racional e linguístico que significa a coisa—tornando-a presente na sua ausência imediata—e a própria coisa. Deste modo, não existe uma identificação entre o pensar e o ser.

O conhecimento abstracto e conceptual tem como objectivo despertar o interesse do sujeito para a experiência da coisa significada. Deste modo, o conhecimento experiencial e existencial supera o conhecimento simbólico e abstracto.

O conhecimento é dialógico, assenta na relação entre o logos do sujeito e o logos do objecto. O primeiro abre-se à revelação do segundo, descobrindo-o nessa sua revelação existencial, e, ao tentar expressá-lo por palavras e imagens, cria o símbolo.

O conhecimento simbólico é a revelação do logos do mundo pelo logos humano, sendo uma apropriação.

O símbolo não se identifica com o logos do objecto, mas resulta do processamento do logos do objecto pelo logos do sujeito (diálogo).

O logos do objecto é um convite à relação. Antes da relação, o logos do objecto é indeterminado, sendo apenas na sua recepção pelo logos humano que ganha forma. O logos do mundo aguarda do logos humano a actualização do seu sentido existencial, pelo que o logos humano tem um papel cosmopoético.

O princípio antrópico forte é mais uma prova de que Deus espera do homem um papel cocriativo do cosmos. Deus aceita o fruto da criatividade humana como a devolução do mundo a Deus, ou seja, Deus dá o mundo ao homem para que este O possa devolver através de um acto criativo próprio. Parafraseando a Liturgia: «És tu que ofereces e és oferecido.»

Deus quer que nós devolvamos o que Ele nos deu com juros. Isto refere-se ao papel criativo do homem no mundo. Deus dá ao homem o mundo para que este o possa devolver com valor acrescentado, espiritualizado pelo seu trabalho.

O papel criativo do homem começa logo com a linguagem como resposta aos logoi, aceitando Deus os nomes que Adão dá aos animais, pois é a vontade de Deus que o homem exerça a sua criatividade como forma de devolver aquilo que lhe é oferecido. Desta maneira, desde a linguagem humana até à ciência e filosofia, tudo são expressões do logos cosmopoético humano que actualiza existencialmente um dos sentidos possíveis do logos do objecto.

Deus dirige-Se ao homem através dos logoi, que são as razões elásticas que esperam do logos humano a actualização existencial de um dos seus sentidos possíveis. De acordo com o Padre Staniloe, há uma distinção no pensamento patrístico entre logos e noema. O primeiro refere-se à razão elástica e multidimensional que está no Logos, enquanto que o segundo refere-se à manifestação do primeiro pelo logos humano. Assim, a recepção do logos do objecto pelo logos humano fixa (realiza existencialmente) um dos sentidos possíveis do objecto.

Existe uma certa semelhança entre o logos e o noema e os conceitos kantianos do númeno e do fenómeno. Tanto o noema como o fenómeno dizem respeito ao processamento da realidade pela razão humana, sendo que a diferença é que o noema não está desligado do logos, representando uma das possíveis configurações do mesmo, enquanto o fenómeno kantiano não tem qualquer relação com o númeno, roçando o idealismo transcendental de Kant no solipsismo. Deste modo, ao passo que a distinção entre logos e noema serve para demonstrar a inesgotabilidade do logos do objecto face à configuração que o logos humano lhe dá, a distinção kantiana entre númeno e fenómeno corta completamente a relação da pessoa com a realidade que a transcende, levando assim à negação da metafísica.

Chama-se reciprocidade racional à relação dialógica entre a humanidade e o mundo. O carácter racional e universal do conhecimento depende do respeito pelo logos do objecto. Para o acto criativo ser cosmopoético precisa de se limitar pelo logos do mundo, sendo o seu papel descobrir e manifestar esse logos, devendo-se a criatividade de tal processo à infinidade modal da relação dialógica, ou seja, das infinitas possibilidades abertas pela relação, consistindo o acto criativo na actualização de uma dessas possibilidades. Tal actualização revela o tipo de relação que o sujeito tem com o mundo. É um reflexo do modo de estar da pessoa que revela o seu ser na maneira como se relaciona com o mundo.

A linguagem simbólica usa contradições como forma de transcender o sentido estático da correspondência entre conceito e coisa para o sentido dinâmico e experiencial que pressupõe a alteridade da coisa que não se identifica nem se esgota no conceito. Daí a simultânea afirmação e negação que a linguagem simbólica emprega.

O conhecimento pressupõe a revelação. A revelação é a ex-sistência dos entes, a sua presença fora de si para os outros.

O presente é a relação imediata com o outro que se faz presente, ou seja, que se manifesta ao entrar em relação. Deste modo, o presente refere-se à experiência do outro.

O tempo apenas mede a mudança, sendo esta caracterizada como o tornar presente através da relação ou o tornar ausente no isolamento. Contudo a pessoa que se faz presente ou ausente não se define pela temporalidade, pois a sua presença é precisamente a manifestação da eternidade no tempo.

A sucessão temporal que caracteriza a mudança da ausência para a presença e da presença para a ausência, é superada na presença presente da relação pessoal imediata. Assim, o tempo é superado na relação com o outro, enquanto na ausência do outro o tempo manifesta-se precisamente como espera, pelo que o tempo é o intervalo de espera entre os actos de comunhão. O tempo enquanto período de espera entre actos de comunhão, refere-se à ausência que antecipa a presença do outro. Deste modo, na relação pessoal da presença imediata do outro, o tempo é abolido, não no sentido convencional, mas sim no sentido existencial e experiencial. A experiência do tempo é relativa, depende da presença ou ausência do outro.

«This presente is always a fact of presence. It is the truth of the person, the rising up of the “other” from the oblivion of non-relation» Yannaras, Person and Eros, 145

O eterno é experienciado na comunhão com o outro, onde a eternidade do mesmo se torna presente. O tempo como espera e ansiedade é superado na presença presente do outro que se dá na relação pessoal e não utilitária com o mesmo.

A morte é trágica porque o sentido da pessoa é eterno. A morte é o desaparecer da existência de uma presença, que revelava a eternidade do seu sentido. O desaparecimento daquilo que é temporal e contingente não é trágico. Apenas o desaparecimento daquilo que é eterno é trágico. A morte dos seres é trágica porque Deus criou tudo para a eternidade. A morte não é natural, mas é o resultado do pecado original.

A obsessão com o progresso e a velocidade acelerada que este impõe à vida dos cidadãos, impede as pessoas de repararem na presença do eterno no presente, nomeadamente na presença das outras pessoas e do belo.

A sociedade moderna é o esquecimento do transcendente, do eterno, e a submersão total no tempo caracterizado pela ansiedade com o futuro. Contudo Cristo diz-nos para não nos preocuparmos com o futuro.

Na contemplação do belo, na comunhão com o outro, na actividade criativa, o tempo é transcendido e a eternidade é revelada e manifestada como a verdade do ser que se faz presente no horizonte da relação pessoal. É preciso abertura para a sua experiência.

VI. Logos versus Racio

A concepção helénica de logos não equivale exactamente à concepção latina de racio. O logos é entendido como proclamação e comunicação de sentido, ou seja, tem uma conotação verbal e enérgica, sendo o modo como os seres se revelam. O logos é o sentido que se manifesta. Os entes revelam-se logicamente.

O logos, enquanto manifestação e comunicação de sentido, faz as pessoas convergirem em comunhão.

O encontro com a Verdade dá-se na experiência e não no pensamento abstracto. A Verdade como a revelação do logos, isto é, como um evento de participação existencial.

A Verdade é o Logos, e este é o sentido do ser, o ser revela-se logicamente. O ser e o seu sentido (logos) estão mutuamente implicados, de modo que o ser se torna presente como logos. Assim, o logos acompanha sempre o ser, tornando-o inteligível e comunicativo. Há um logos para a essência universal; um logos para cada hipóstase e um logos para cada movimento, energia e atributo da natureza.

Como o encontro com a Verdade é existencial e não abstracto, a Verdade não se identifica nem com o pensamento, nem com a linguagem, mas transcende-os. O pensamento e a linguagem não formam a Verdade, mas são antes formados por ela. O homem pensa e fala como resposta à revelação lógica do ser.

É a racionalidade intrínseca ao ser que se revela na experiência, que estimula o desenvolvimento das faculdades cognitivas humanas. Assim, o conhecimento é dialógico porque resulta da relação entre o logos humano e o logos do mundo. O primeiro, ao processar o segundo dá origem ao pensamento e linguagem que, por não se identificarem com a coisa significada, são de carácter simbólico, pois expressam o significado apontando para além de si próprios para a própria coisa significada que só é acessível na experiência. O conhecimento abstracto e simbólico da linguagem é incompleto e insuficiente, sendo o seu propósito servir como convite à experiência da coisa que significa.

Deste modo, a Verdade é um evento da revelação lógica do ser, sendo que as palavras e os conceitos que usamos para expressar tal evento servem como símbolos do mesmo que não podem pretender substituir a sua vivência.

VII. Conclusão

A abordagem abstracta ao conhecimento assenta na pretensão do mesmo lidar com essências.  Pelo contrário, a abordagem existencial ao conhecimento pressupõe o carácter apofático do mesmo, ou seja, o conhecimento não tem a arrogância de atingir o ser último dos seres, mas antes pretende experienciá-los, tendo plena consciência de que o objecto do conhecimento é o fenómeno e não a essência. O conhecimento diz respeito à presença dos entes fora da sua essência. A essência em si é inacessível, sendo-nos apenas dado a conhecer os atributos e qualidades que se manifestam através das energias dos entes. A essência dá-se a conhecer nas energias, sem nelas se esgotar.

«In the same way as concerns the earth, let us resolve not to torment ourselves by trying to find out its essence, not to tire our reason by trying out to find the substance that it conceals. Do not let us seek for any nature devoid of qualities by the conditions of its existence, but let us know that all the phenomena with which we see it clothed regard the conditions of its existence and completes its essence»; Saint Basil, Hexaëmeron, trad. Bloomfield Jackson (Paterikon Publications), p. 25.

A verdade dos seres é o logos que é revelado no horizonte da relação. Na relação, o logos emerge da noite do esquecimento para a luz da revelação. O logos oculto do objecto é descoberto e iluminado pelo logos humano que é o sol metafísico da Criação, iluminando e manifestando o sentido do ser (imagem que Berdyaev apresenta para descrever o processo do conhecimento criativo). A Verdade do ser é revelada na relação com a pessoa humana. É no horizonte desta relação que a verdade se faz presente como logos (sentido). A revelação ou ocultação da verdade dos seres depende do seu emergir da noite do esquecimento para a relação com o outro, onde conseguem sair de si próprios.

Na ciência contemporânea, a necessidade da consciência humana para a formação do universo como facto existencial é defendida pelo princípio antrópico forte.

É na indeterminabilidade da experiência que se dá o verdadeiro conhecimento, o que quer dizer que este não consiste em fórmulas abstractas, mas sim num evento existencial e participativo onde o ser na sua alteridade existencial se faz presente no horizonte da relação.

A verdade do mundo é revelada na sua relação com a pessoa. A pessoa é o sol do ser, sendo o acto cognitivo criativo a iluminação do ser pela pessoa. O ser emerge da noite do esquecimento no horizonte da relação com a pessoa que o ilumina.

António Constantino,
Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa
13/02/2025

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Bibliografia consultada:

Christos Yannaras: Person and Eros

Idem, Postmodern Metaphysics

Dumitru Staniloae: The Experience of God

Nikolai Berdyaev: The Meaning of the Creative Act

Idem, The Destiny of Man

Saint Maximus the Confessor: Ambigua

Saint Basil: Hexaëmeron

Publicado emTeologia Ortodoxa