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Andrew Philips – PORTUGAL ORTODOXO: A ALMA DE PORTUGAL

As Nações do homem existem pelo que há de melhor no homem,
e são destruídas pelo que há de diabólico nele.

                                                                                                             John Masefield, Gallipoli.

 

Toda a nação passa por períodos de grandeza e períodos de declínio. Períodos de grandeza expressam o entusiasmo de uma nação e do seu povo por algum ideal e conhecimento espiritual, por alguma grande ideia. Nestes momentos a essência espiritual de um país, a alma do seu povo, torna-se aparente. Os períodos de declínio expressam a traição e perda desse ideal em favor de uma atração fatal e decadente: a paixão mundana por riquezas terrenas, território e poder, e a turvação dessa alma nacional e essência espiritual. Desta forma vários impérios, tanto antigos como novos, subiram e caíram, seja o Babilónico, o Egípcio, o Macedoniano, o Romano Ocidental, o Persa, o Romano Oriental, o Zimbabuense, o Mongol, o Asteca, o Inca, o Português, o Espanhol, o Mongol, o Chinês, o Otomano, o Austro-Húngaro, o Francês, o Britânico ou o Soviético. Olharemos aqui para essa grande ideia e ideal espiritual que a certa altura iluminou a alma de Portugal e do seu povo.

O primeiro período da história portuguesa, a Cristã Ortodoxa, começa antes de Portugal como sabemos que existiu, com a missão de São Tiago o Apóstolo, o filho de Zebedeu e irmão de São João, aos habitantes romanizados da Península Ibérica. Até aos dias de hoje a sua memória é celebrada na Galiza, a norte da atual fronteira portuguesa, na grande cidade peregrina de São Tiago – Santiago de Compostela, onde as suas relíquias sagradas ainda são veneradas. Tal era a fama deste lugar que em 1049 o Bispo de Compostela foi excomungado pelo recentemente reformado Papado por dizer a verdade – que também ele, tal como o Bispo de Roma, era Bispo de uma Sé Apostólica. Apesar de Santiago estar hoje fora da atual fronteira portuguesa na Galiza de língua portuguesa, a peregrinação á cidade do Santo Apóstolo Tiago, tal como veremos, marcou a alma portuguesa ao longo da sua história.

O primeiro santo da Lusitânia e Galiza, tal como Portugal era conhecido na altura, é do primeiro século. Este é São Ovídio (3 de Junho), o primeiro Bispo de Braga, essa cidade no norte de Portugal que se tornou o coração espiritual do país, dando origem à expressão portuguesa, “tão velho como a Sé de Braga”. Ele foi seguido pelos mártires: Ss. Paulo, Heráclio, Secondila, e Januário do Porto (2 de Março) Ss. Veríssimo, Máximo e Júlia de Lisboa (1 de Outubro), todos martirizados por volta do ano 300 ou 303, e São Vítor de Braga (12 de Abril), batizado no seu próprio sangue por se recusar a adorar ídolos no ano 300/303. No século quinto, após a invasão da Península Ibérica por suevos e visigodos germânicos que adotaram o Arianismo, outro mártir veio adornar a Igreja Portuguesa: São Pedro, Arcebispo de Braga (26 de Abril), e outro, São Mâncio, Bispo de Évora (15 de Maio) foi também martirizado no século V depois de Cristo. Depois destes veio o grande santo português e pai monástico, São Martinho, Arcebispo de Braga (580), celebrado a 20 de Março, conhecido como o Apóstolo da Galiza, que converteu o rei dos suevos germânicos do Arianismo à Ortodoxia e que juntamente com o seu discípulo Pascácio traduziu do grego os Escritos dos Pais do Deserto. E não nos podemos esquecer de outro grande pai monástico, São Frutuoso de Braga (665), celebrado a 16 de Abril, que, tendo iluminado os visigodos, escreveu uma regra monástica. A este período pertencem as ainda existentes igrejas do século sétimo de São Frutuoso em Montélios perto de Braga, construída para as relíquias de São Frutuoso em forma de cruz grega, de São Pedro em Balsemão e Santo Amaro em Beja.

Este primeiro período da história e de prosperidade espiritual portuguesa terminou em 711 com a invasão a partir da África do Norte pelos Mouros. Eles tomariam a maior parte da Península Ibérica, chegando mesmo a ameaçar os povos que viviam na altura no território do sul de França, sendo parados apenas na Batalha de Poitiers em 732. Data desta altura a famosa lenda Ibérica dos sete bispos que fugiram pelo Atlântico até “Antília”, a Ilha das Sete Cidades, uma lenda que obcecaria a consciência portuguesa, como veremos, por vários longos séculos. A Invasão Mourisca provocou um movimento de resistência cristão nos séculos nono e décimo que se esforçou para libertar o norte e o centro do atual Portugal do Jugo Muçulmano. Dois santos destacam-se neste período: São Rosendo de Dume (977), santo bispo e restaurador do monasticismo na Galiza, festejado a 1 de Março, e a sua parente, a santa abadessa, Senhorinha de Basto (982), celebrada a 22 de Abril. A este período pertence também a outra única Pré-Românica, ou Ortodoxa, igreja sobrevivente em Portugal, a de Lourosa, fundada em 913.

Este segundo período da história portuguesa, o do Jugo Muçulmano, que teve o seu  início  em 711, iria permanecer em grande parte do centro de Portugal até 1064. Foi neste ano que uma reconquista começou a partir do norte, a partir da livre região nortenha do Porto, que em 1139 estabeleceria as fronteiras de um novo estado independente que receberia daí (Porto) o seu nome – Portugal. Esta Reconquista não seria completada até ao décimo terceiro século no sul de Portugal, onde a presença árabe ainda está gravada através de vários nomes, tal como “Algarve”, que em Árabe significa “o Ocidente”.

Depois gradualmente, durante 600 anos, o Jugo Muçulmano foi expulso. Mas antes disto Portugal teria de enfrentar outra tragédia, pois a Reconquista de 1064 havia sido patrocinada por uma nova e estrangeira ideologia – a do Catolicismo Romano. Por volta de 1080 esta ideologia, desenvolvida pelo agressivo Papa Gregório VII sob influência francesa, havia quase completamente suprimido o muito amado rito litúrgico hispânico ou moçárabe que havia conservado a antiga liturgia romana e ortodoxa ocidental dos primeiros séculos. Em 1147, quando Lisboa foi finalmente tomada de volta aos Mouros, ficou claro que a conquista litúrgica de Portugal e de toda a Ibéria estava completa: a antiga espiritualidade ortodoxa romano-moçárabe dos primeiros dez séculos da história Ibérica havia desaparecido. A era do Jugo Muçulmano estava mais do que acabada, mas também a era da grandeza espiritual portuguesa. Havia sido substituída por uma nova ideologia papal espalhada pela elite da França, uma ideologia que cresceu ainda de maneira mais forte durante a Idade Média. Os fiéis portugueses encontraram-se privados da fé dos seus ancestrais, nesse estado de privação espiritual que tem sido a herança amarga e doença da Europa Ocidental durante todos estes longos anos desde o século onze.

Por volta do século treze, a alma portuguesa e a história portuguesa haviam sido capturadas por uma nova ideologia e um anseio por um Espírito Santo ausente, por um Paraíso perdido, que no entanto os seus ancestrais haviam conhecido, cresceu entre o povo português. Como tal, com o Jugo Muçulmano terminado, nesta altura começou o terceiro período da história portuguesa, que atingiu o seu apogeu nos séculos quinze e dezasseis. Este é o período de grandes exploradores, tais como Henrique o Navegador, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Pedro Álvares Cabral, Fernão Magalhães, quando a influência portuguesa espalhou-se não só até à África e Brasil, mas também até á China e Japão. Este período de grandes descobrimentos terminaria no século dezasseis quando Portugal começou o seu repentino e enigmático declínio, o quarto período da sua história. O enigma deste quarto período, do declínio de Portugal, só pode ser entendido tendo em conta o terceiro período de grandeza mundana. O que exortou exploradores portugueses e até não-portugueses, apanhados pelo mesmo espírito português, a partir de Portugal à procura do desconhecido a estabelecer as bases dos Impérios Coloniais? Para entender o espírito destes exploradores e porque partiram, não podemos fazer mais do que olhar para o exemplo mais famoso, de um não-português, que partiu com apoio espanhol – Cristóvão Colombo.

Nascido em 1451 em Génova mas quase certamente de origem judia ibérica, Colombo, ou Colón como preferia ser conhecido, conhecia o Mediterrâneo muito bem como marinheiro e era célebre como cartógrafo. Aos 25 anos estabeleceu-se em Portugal, tomou uma esposa portuguesa, e viveu por algum tempo na recém-descoberta Madeira, em cujas margens ele encontraria frequentemente madeira flutuante e plantas de algum país misterioso no ocidente. Desde a Madeira e Portugal ele navegou até África, Inglaterra, onde navegadores contaram-lhe sobre Terra Nova, até à Irlanda e Islândia, onde ele novamente ouviu de falar de terras para o ocidente. A partir de 1480, Colombo ficou fascinado com a ideia de explorar o ocidente, ficando convencido que não apenas encontraria lá uma nova terra, mas um Novo Mundo, a Jerusalém Terrena. De caráter instável, às vezes à beira da insanidade, este homem de origem judia, sentiu-se escolhido por Deus como um Messias para a missão de descobrir um Novo Mundo. Nisto ele foi conduzido por uma profecia do Livro de Isaías 11, 10-12, que lê:

“E nesse dia haverá uma raiz de Jessé, que será erguida como bandeira para os povos; a ela correrão os gentios: e o seu descanso será glorioso. E acontecerá que nesse dia, o Senhor estenderá a sua mão novamente para recuperar o resto do seu povo das ilhas do mar. Ele reunirá os exilados de Israel, e reunirá os dispersos de Judá dos quatro cantos da terra.”

Colombo estava ainda inspirado por vários escritos e tradições, algumas das quais datavam até à Grécia Antiga. Além da mais antiga destas, havia uma bem conhecida lenda no século sexto do irlandês São Brandão o Navegador, de que ele havia navegado até uma terra para ocidente através do Atlântico, a entrada para o Paraíso terreno. Esta terra era chamada “Brasil”, significando em gaélico “a grande ilha”. Em segundo lugar, Colombo bem conhecia de Portugal a história de Antília, a Ilha das Sete Cidades, para onde haviam fugido sete bispos após a invasão dos mouros em 711. Em terceiro lugar havia o facto de que em 1492 d.C. (o simbólico ano 7000 desde a Criação do Mundo, que Colombo compreendeu não simbolicamente mas literalmente), a Reconquista da Península Ibérica havia sido completada e muitos estavam à procura de continuar esta Reconquista ao tomar Jerusalém começando assim o oitavo e final milénio no qual o mundo terminaria.

De facto foi em 1492, o primeiro ano do oitavo milénio, que Colombo saiu para procurar “o Novo Mundo”, descobrindo aquilo que nós agora chamamos de Índias Ocidentais. Em 1493-4 ele voltou lá com sete embarcações e mais de mil colonizadores. Colombo estava convencido de que nestas ilhas ele havia encontrado não apenas “Antília”, a Ilha das Sete Cidades, mas também “Cipango” (Japão) e Índia. Foi por conta destes erros que o nome “Índias Ocidentais” foi dado a estas ilhas, que a palavra “Índios” foi usada por todos os habitantes nativos das Américas e que as “Índias Ocidentais” são também conhecidas como as Antilhas. Numa terceira expedição, em 1498, Colombo descobriu a América do Sul. Encontrando um enorme golfo de água fresca na boca do Orinoco, ele decidiu que este era um dos quatro rios fluindo do Paraíso, como é descrito no Livro de Génesis: “E um rio saía do Éden para regar o jardim; e de lá se dividia, em quatro braços. O nome do primeiro é Fison: é aquele que rodeia toda a terra de Hévila, onde existe ouro; e o ouro dessa terra é bom” (Génesis 2, 10-12). De volta a Espanha, a partir de 1500 Colombo tornou-se mais e mais obcecado em encontrar este Paraíso, a Jerusalém terrena, em que a sua descoberta seria seguida pelo fim do mundo. Em 1502 ele partiu numa quarta expedição, procurando uma passagem não-existente através do que é agora o Panamá para o que estava além – Paraíso. Em 1504 Colombo voltaria, exausto e amargamente desapontado, não tendo encontrado o Paraíso. Os colonos que o acompanharam revoltaram-se contra ele, encontrando ouro em quantidades insuficientes, e massacrando e explorando os povos Índios primitivos. Colombo não havia feito jus ao seu nome: Cristóvão Colón – o Colonizador portador de Cristo.

Apesar de ele próprio não ter nascido em Portugal, Colombo ilustra a tragédia histórica de Portugal, o resultado de um número de fatores específicos. Primeiro, como resultado da perda da Fé Cristã Ortodoxa, Portugal perdeu o Espírito Santo, o Espírito que havia sido trazido até ao território português por São Tiago o Apóstolo. Em segundo lugar, Portugal teve as suas ambições frustradas por séculos pelo Jugo Muçulmano. E em terceiro lugar, a sua posição geográfica era tal que nas extremidades da Europa havia sempre olhado com curiosidade para o sol poente através daquele misterioso Oceano Atlântico, a fonte de tantas lendas. E a não menos importante destas lendas é a de que a Antiga Fé de Portugal seria ainda encontrada através dele, entre os sete bispos na Ilha das Sete Cidades. A ideia nacional e ideal espiritual da alma de Portugal, uma alma peregrina desde a época de São Tiago o Apóstolo, veio a ser concretizada no século quinze quando partiu numa missão pelo Espírito Santo, por Jerusalém, pelo Paraíso. Privada de orientação espiritual e sem guia, confundiu o terreno e o celestial, e os que partiram não encontraram o Paraíso, mas ouro, poder e as terras de povos primitivos. Eles não encontraram Jerusalém mas Babilónia, eles não encontraram um Império da alma, tal como o grande São Martinho de Braga havia-lhes a certa altura descrito, mas um Império da terra.

Só este veneno pode explicar o porquê de, após dois séculos de explorações heroicas entre 1384 e 1580, Portugal entra em rápido declínio. Portugal encontrou não o Espírito Santo, mas ouro, poder e território, Portugal encontrou não o espiritual, mas o material e então esqueceu e abandonou a sua alma peregrina, traindo o seu ideal e essência espiritual, tornando-se a sua peregrinação celestial um mero apego terrestre. Portugal parou de se desenvolver, parou de trabalhar em si mesmo, perdendo a sua grande ideia, o seu destino e introspeção espiritual, e declinou, tornando-se uma nação esquecida pela Europa.

E hoje tudo isto é lembrado não apenas pela palavra portuguesa “saudade”, significando o anseio nostálgico e sofredor de um povo em que a alma peregrina está entre a terra e o céu sem o Espírito Santo, mas também pelo assombroso e melancólico anseio da música tradicional portuguesa, do “fado”. E no entanto nós acreditamos que quando a alma portuguesa acordar para a sua antiga fé, então grandes serão os feitos dos seus peregrinos encontrando de novo a Fé de São Tiago o Apóstolo e dos sete bispos na Ilha das Sete Cidades.

Todos os Santos da terra portuguesa, roguem a Deus por nós!

Original: http://orthodoxengland.org.uk/

Tradução em Português: Paulo Ferreira.

Redação final: Gabriela Mota

 

Publicado emHistória Eclesiástica, Portugal

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