Em 6 de janeiro de 1848, o Papa Pio IX enviou uma encíclica “aos cristãos do Oriente”, os Uniatas, a fim de os encorajar e felicitar “por terem regressado à comunhão católica da Igreja única de Jesus Cristo (…), enquanto tantos outros dos seus compatriotas erraram até o presente, fora do redil de Jesus Cristo”, e a todos os outros, ortodoxos, coptas, arménios e nestorianos, a fim de os “exortar” e suplicar para “voltarem, sem muito divergir, à comunhão desta Santa Sé de Pedro, que é o fundamento da verdadeira Igreja de Jesus Cristo”. Ao longo da encíclica, todas as divergências propriamente teológicas entre Roma e os ortodoxos foram negadas, para além do único problema do primado. Este, pelo contrário, foi mencionado nos termos anunciados pelas definições doutrinárias de 1870. Eis algumas passagens características:
“Nosso Senhor Jesus Cristo, o autor da salvação dos homens, colocou em Pedro, o chefe dos Apóstolos, ao qual deu as chaves do Reino dos Céus (Mt 16:18-19), o fundamento da Sua única Igreja, sobre a qual as portas do inferno não prevalecerão. Além disso, orou para que a Sua fé não desfalecesse, acrescentando o mandamento de que ele fortalecesse os seus irmãos na fé (Lc 22:31-32). Por fim, encarregou-o de apascentar as suas ovelhas (Jo 2:15 ss) e, por consequência, confiou-lhe toda a Igreja, que consiste nas verdadeiras ovelhas e cordeiros de Jesus Cristo. Todas essas prerrogativas são devidas aos Soberanos Pontífices de Roma, sucessores de Pedro; porque, depois de Pedro, a Igreja não pode ser privada do fundamento sobre a qual, erguida por Jesus Cristo, deve permanecer até o fim dos séculos. Por isso, Santo Irineu, discípulo de Policarpo (que tinha escutado o apóstolo João), depois, Bispo de Lyon (…) ao querer referir, contra os hereges do seu século, a doutrina dos Apóstolos, julgou inútil enumerar a sucessão de todas as Igrejas que tiveram a sua origem nos Apóstolos, assegurando que basta citar, contra eles, a doutrina da Igreja romana: “É necessário que toda a Igreja, ou seja, que todos os fiéis, de todo o Universo, estejam de acordo com a Igreja de Roma, devido à sua preeminência, onde, para tudo o que crêem os fiéis, foi conservada a tradição transmitida pelos Apóstolos (Contr. Haer. I, III, 3) (…) os Bispos de Roma obtiveram o primeiro lugar nos Concílios e, sobretudo, antes e depois dos Concílios (…)
Essa encíclica papal teve a sua resposta através de uma encíclica patriarcal dirigida, nesse mesmo ano de 1848, a todos os ortodoxos, pelos Patriarcas de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Eis os principais excertos desse importante documento doutrinário:
ENCÍCLICA DA SANTA IGREJA, UNA, CATÓLICA E APOSTÓLICA
AOS CRISTÃOS ORTODOXOS DE TODOS OS PAÍSES
A todos os nossos queridos e amados irmãos no Espírito Santo, os veneráveis Bispos, ao seu piedoso Clero e a todos os ortodoxos, filhos verdadeiros da Santa Igreja, Una, Católica e Apostólica, saudações fraternas no Espírito Santo e a bênção divina!
(…)
III
(…) De todas as heresias, umas desapareceram completamente, outras chegaram ao seu fim; outras continuam a existir enfraquecidas, outras, ainda, conservam, mais ou menos, o seu vigor até que completem o seu tempo; algumas desenvolvem-se a fim de percorrer o seu período fatal, desde o seu nascimento até a dissolução; porque, ao serem miseráveis conceções e invenções dos miseráveis humanos, elas devem, ainda que tenham durado mil anos, desaparecer como eles, atingidas pela tempestade dos anátemas dos Sete Concílios Ecuménicos. Somente a ortodoxia da Igreja Católica e Apostólica, animada pela palavra viva de Deus, deve viver e perdurar eternamente, segundo a promessa infalível do Senhor: “As portas do Inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18). O que significa, segundo a explicação dos divinos Padres, que as bocas dos ímpios e dos hereges, ainda que eloquentes, hábeis e persuasivas, não permanecerão diante do aprazível e santo ensinamento (…) A palavra de Deus é irrevogável e a Igreja, embora ore todos os dias para que esse espinho, esse anjo Satanás, seja dela afastado, escuta sempre a voz do Senhor, que lhe diz: “A minha graça basta-te; porque o meu poder aperfeiçoa-se na fraqueza” (II Co 12:9). Por isso, compraz-se, com orgulho, nos seus sofrimentos, a fim de que a virtude de Jesus Cristo venha repousar sobre ela e a fim de que “os que são eleitos manifestem-se entre nós” (I Co 11:19).
IV
Dentre as heresias que, por decretos, apenas de Deus conhecidos, estenderam-se sobre grande parte do Universo, dominava outrora o Arianismo e hoje o Papismo; mas este, como o outro, que já desapareceu inteiramente, também não permanecerá, apesar do seu aparente vigor. Ele passará e será destruído, e ouvir-se-á a grande voz celeste: “Foi derrubado!” (Ap 12:10).
V
A nova doutrina, de que o “Espírito Santo procede do Pai e do Filho”, é contrária à afirmação solene e positiva do Nosso Senhor (Jo 15:26) de “que o Espírito Santo procede do Pai” e contrária à confissão universal da Igreja Católica, segundo o testemunho dos Sete Concílios Ecuménicos, que estabeleceram que “o Espírito Santo procede do Pai” (Credo).
1º) Essa doutrina recusa o testemunho do Evangelho, que faz emanar de um só princípio, mas diversamente, as divinas Pessoas da Santa Trindade.
2º) Ela implica a ideia de relações desiguais e dissemelhantes entre estas Pessoas, igualmente poderosas e dignas de adoração, e a confusão dos Seus atributos.
3º) Ela acusa como imperfeita ou, pelo menos, como obscura ou de difícil compreensão, a confissão da Santa Igreja, Una, Católica e Apostólica.
4º) Ela atenta contra a doutrina dos Santos Padres do Segundo Concílio Ecuménico de Constantinopla, ao imputar-lhes terem exposto, de modo imperfeito, os atributos do Filho e do Espírito Santo, de terem passado, em silêncio, uma tão importante propriedade de natureza divina de cada Pessoa, quando era tão necessário que todos os Seus divinos atributos fossem definidos contra os arianos e os macedonianos.
5º) Ela insulta os Padres do Terceiro, Quarto, Quinto, Sexto e Sétimo Concílios Ecuménicos, que declararam, perante todo o Universo, ser perfeito e completo o Santo Símbolo da Fé, ao ponto de proibirem, a eles próprios e a todos os outros, sob pena de anátemas irrevogáveis, toda a adição, supressão, alteração ou transposição, mesmo que de um simples acento. No entanto, segundo a doutrina de Roma, faltou fazer essa correção e esse aditamento. Faltou, então, modificar todo o ensinamento teológico dos Padres católicos, visto que se pretende ter descoberto um novo atributo em cada uma das três Pessoas da Trindade.
6º) No início, ela infiltrou-se furtivamente, nas Igrejas do Ocidente, como o lobo sob a pele de um cordeiro, sob o pretexto de que exprimia, não a processão, segundo a aceção grega do Evangelho e do Símbolo, mas a missão no tempo; porque foi assim que procurou justificar-se o Papa Martinho, junto do confessor Máximo, e foi assim que se explicou Anastácio, o Bibliotecário, no tempo de João VIII.
7º) Ela, esvaziou, particularmente e com inconcebível audácia, e alterou o próprio Símbolo, que é o tesouro comum do Cristianismo. Ela introduziu perturbações imensas na tranquila Igreja de Deus e dividiu as nações.
8º) Ela foi reprovada, publicamente, por dois Papas imortais, Leão III e João VIII, aqueles que, primeiramente, interpelaram-na no Símbolo (tendo este último colocado-a junto de Judas, na sua carta ao venerável São Fócio).
(…)
10º) Ela foi condenada por diversos Augustos Sínodos dos quatro Patriarcas do Oriente.
11º) Ela foi atingida pelo anátema, por introduzir uma inovação e adição ao Símbolo, pelo Oitavo Concílio Ecuménico, realizado em Constantinopla, para pacificar as Igrejas do Oriente e do Ocidente.
12º) Mal tendo-se insinuado às Igrejas do Ocidente, ela engendrou outras doutrinas repreensíveis ou introduziu, pouco a pouco, outras inovações (na maior parte, opostas aos preceitos do Nosso Senhor, formalmente escritos no Evangelho e religiosamente conservados até a sua introdução nas Igrejas) e, a partir daí, admitiu a aspersão, ao invés da imersão, no Batismo; a privação do santo Cálice para os leigos (…), bem como a omissão, no ritual da Liturgia, da invocação do Espírito Santo. A partir de então foram, também, abolidas as antigas cerimónias apostólicas da Igreja Católica: deixou-se de ungir as crianças após o Batismo e de lhes dar a Santa Comunhão; proibiu-se aos homens casados a entrada nas ordens sacras; transportaram-se para a pessoa de Papa a infalibilidade e o vicariato de Jesus Cristo etc. De modo que essa doutrina repeliu todo o antigo ritual dos Apóstolos e, praticamente, todos os Sacramentos e todo o ensinamento que conservava a antiga, santa e ortodoxa Igreja de Roma, que era, então, um dos membros mais augustos da Santa Igreja Católica e Apostólica (…)
(…)
14º) Ela pareceu estranha, inaudita e blasfemadora, mesmo a essas outras sociedades cristãs que, antes do seu nascimento, tinham sido, por certas e justas razões, excluídas do verdadeiro redil (…)
15º) (…) Uma tal doutrina apresenta, naturalmente, todos os caracteres de uma doutrina nova; e, como toda a doutrina nova, que toca no dogma católico sobre a Santíssima Trindade e os atributos divinos, ainda mais no modo de existência do Espírito Santo, é e deve ser chamada de heresia e aqueles que adotam semelhante doutrina são hereges, segundo a decisão de São Dâmaso, Papa de Roma: “Aquele que pensar de maneira sã sobre o Pai e o Filho, mas tiver opiniões erróneas sobre o Espírito Santo, é um herege” (Confissão de Fé católica enviada pelo Papa Dâmaso a Paulino, Bispo de Tessalónica). Por todas essas razões, a Santa Igreja, Una, Católica e Apostólica, seguindo os passos dos santos Padres do Oriente e do Ocidente, publicou, outrora, no tempo dos nossos antepassados, e publica, ainda hoje, em pleno Sínodo, que essa nova doutrina, da qual nos ocupamos e que faz proceder o Espírito Santo do Pai e do Filho, é, essencialmente, uma heresia, segundo a decisão, em concílio, do santo Papa Dâmaso, e que os partidários dessa doutrina são, sejam quem forem, hereges, sendo ilícita toda a comunicação, espiritual e religiosa, com eles por parte dos filhos ortodoxos da Igreja católica. Sobretudo em virtude do sétimo cânone do Terceiro Concílio Ecuménico.
VI
Essa heresia, ao arrastar com ela, como dissemos, uma multidão de outras inovações, admitida em meados do século VII, sem caráter preciso e sem designação expressa em princípio, insinuou-se, pouco a pouco, sob diferentes significados, nas províncias ocidentais da Europa, durante quatro ou cinco séculos, tendo-se sobreposto – graças à incúria dos Pastores de então e à proteção dos Soberanos – à antiga ortodoxia desses países, e desviado, pouco a pouco, não apenas as Igrejas, até então ortodoxas, da Espanha, mas, ainda, as da Germânia, da Gália e da própria Itália, cuja ortodoxia era outrora reputada em todo o universo e com as quais comunicavam os nossos santíssimos Padres, tais como Atanásio e o divino Basílio, e cuja união de vontade e de ação connosco conservou intacto o ensino da Igreja Católica e Apostólica até o Sétimo Concílio Ecuménico. Mas, finalmente, o inimigo de todo o bem invejou a nossa união e a nova doutrina sobre a sã ortodoxa teologia do Espírito Santo (…) e, sucessivamente, sobre os Mistérios divinos, sobretudo sobre o Mistério do salutar Batismo e da santa Comunhão, as inovações sobre o Clero, todas estas monstruosas invenções, ao sucederem-se, invadiram mesmo a antiga Roma, que estava investida de uma grande importância na Igreja e, desde então, designou-se a sua doutrina pela denominação especial de Papismo. Porque os Bispos de Roma, chamados Papas, seduzidos pelas prerrogativas que lhes fornecia a heresia contra os Sínodos e para dominar as Igrejas de Deus (embora alguns, no início, tenham-se pronunciado, solenemente, contra a inovação, particularmente Leão III e João VIII, como dissemos, e tenham-na condenado perante o universo, um pelas suas famosas placas de prata, outro pela sua carta ao venerável São Fócio no Oitavo Concílio Ecuménico e pela sua carta a Swetopulk (Sphendopulchrus) a favor de Metódio, Bispo da Morávia), ao encontrar nestas prerrogativas grandes vantagens mundanas e movidos por uma grande ganância, por sonhar com um poder absoluto sobre a Igreja católica e com o monopólio das graças do Espírito Santo, não somente alteraram, segundo a sua vontade, o antigo culto, excluindo-se a si mesmos, pelas inovações citadas, do restante da sociedade cristã antigamente estabelecida, mas tentaram, ainda, (…) arrastar consigo, na sua separação violenta e na sua revolta contra a ortodoxia, os outros quatro Patriarcas a fim de sujeitar, assim, a Igreja universal à vontade e às ordens de um homem…
(…)
IX
Até a pouco tempo atrás, os ataques dos antigos Papas, provenientes das suas próprias pessoas, tinham cessado e somente eram feitos por parte de alguns missionários; mas, recentemente, aquele que, em 1846, subiu ao trono patriarcal de Roma e foi proclamado Papa sob o nome de Pio IX, publicou, em 6 de janeiro do presente ano, uma Encíclica dirigida aos cristãos do Oriente, composta por doze folhas, na tradução grega, que o seu enviado espalhou, como um miasma do exterior, no meio do nosso redil ortodoxo. Nessa Encíclica, ele fala àqueles que, em diferentes épocas, afastaram-se das diversas comunhões cristãs para se lançarem no Papismo, os quais ele considera, portanto, como seus. Depois, dirige-se, igualmente, aos ortodoxos, não em particular e tratando-os pelo nome, mas, ao citar, nominativamente, os nossos divinos Padres, pinta-os, evidentemente com falsas cores, a eles e a nós, os seus sucessores e seus descendentes. A eles, considera-os como submissos, sem exame, às ordens e às decisões dos Papas, como árbitros da Igreja universal; a nós, considera-nos como transgressores dos seus exemplos, e, por consequência, acusam-nos perante o rebanho que Deus nos confiou, de nos termos violentamente separado dos nossos próprios Padres e não termos em conta os nossos deveres sagrados e a salvação dos nossos filhos espirituais. De seguida, ao apropriar-se, como de um bem particular, da Igreja universal de Jesus Cristo, sob o pretexto de que ocupa, como se gaba, o trono episcopal de São Pedro, quer enganar os simples e afastá-los da ortodoxia, ao repetir estas palavras tão estranhas para todo o homem alimentado pela ciência teológica: “Vós não tendes sequer uma razão ou um pretexto para não regressar ao seio da verdadeira Igreja e à comunhão desta Santa Sé”.
(…)
XI
Julgamos ser o nosso dever, tanto paterno como fraternal, o nosso dever sagrado, fortalecer-vos, ainda mais, por esta Carta pastoral, na ortodoxia que tendes desde os vossos antepassados, e, ao mesmo tempo, assinalar-vos a fraqueza dos raciocínios do Bispo de Roma que, de resto, sente, evidentemente, ele próprio: porque não é da confissão apostólica que retira a glória da sua Sé, mas é da Sé apostólica que faz derivar a sua preeminência e dela deduz a autoridade da sua confissão. Mas não é assim: porque não apenas a Sé de Roma (a qual se julga, por simples tradição, ter sido honrada por São Pedro) nunca teve o direito de se colocar acima do julgamento das Santas Escrituras e das decisões dos Concílios, como este mesmo direito nunca foi atribuído à Sé que, segundo o testemunho das Santas Escrituras, pertenceu verdadeiramente a São Pedro, ou seja, a Sé de Antioquia, cuja Igreja foi, por isso mesmo, proclamada por São Basílio (Carta a Atanásio, o Grande) “a Igreja mais importante de todas as Igrejas do Universo”. E mais ainda: o Segundo Concílio Ecuménico, dirigindo-se ao Concílio dos Ocidentais (aos mui honoráveis e piedosos irmãos Dâmaso, Ambrósio, Britton, Valeriano etc.) deu o testemunho ao dizer: “A mui venerável e verdadeiramente apostólica Igreja da Antioquia, na Síria, que foi a primeira a ver nascer, no seu seio, a gloriosa denominação de Cristão”.
Mais ainda: não temos a necessidade de nada acrescentar quando a própria pessoa de São Pedro foi julgada diante de todos segundo a verdade do Evangelho (Gl 2:11) e, segundo o testemunho escrito, o próprio São Pedro foi considerado digno de repreensão, por não caminhar na via direita. O que devemos, então, pensar daqueles que se gabam e se orgulham unicamente da posse do trono que lhe atribuem? Efetivamente, São Basílio, o Grande, este mestre universal da ortodoxia, na Igreja Católica, ao qual os próprios Bispos de Roma vêem-se obrigados a remeter-nos, mostrou-nos, clara e nitidamente, em que estima devemos ter os julgamentos do Vaticano. Ele disse: “Esses homens não sabem a verdade e não toleram que ela lhes seja ensinada; fazem querela àqueles que lhes anunciam a verdade e reforçam a heresia pelos seus próprios exemplos” (Epístola a Eusébio de Samosata). Assim, esses mesmos santos Padres (citados por Sua Santidade, os quais ele próprio admira, e com razão, por terem iluminado e instruído o próprio Ocidente e que ele nos aconselha a seguir as suas lições) ensinam-nos que não devemos julgar a ortodoxia segundo as insinuações da Santa Sé mas, sim, que devemos julgar a Santa Sé e aquele que a ocupa segundo as Santas Escrituras, as decisões e os limites postos pelos Concílios e a Fé confirmada, ou seja, de acordo com a ortodoxia do ensinamento eterno. Foi segundo esses princípios que os nossos Pais julgaram e censuraram, em Concílio, a Honório, Papa de Roma; Dióscoro, Papa de Alexandria; Macedónio e Nestório, Patriarcas de Constantinopla; Pedro, Patriarca de Antioquia etc. Porque se “a abominação da desolação pode morar no lugar santo”, segundo o testemunho das Escrituras (Dn 9:27 e Mt 24:15), porquê a inovação e a heresia não se encontrariam sobre a Santa Sé? O que dissemos pode servir como prova, em poucas palavras, da insuficiência e da fraqueza dos outros argumentos a favor da supremacia do Bispo de Roma. Porque se a Igreja de Jesus Cristo não tivesse sido fundada sobre a pedra inabalável da confissão de Pedro e esta confissão foi a resposta comum de todos os Apóstolos à pergunta do seu Mestre: “E vós, quem julgais que eu sou?” (Mt 16:15), confissão que consistiu nestas palavras: “Tu és o Cristo, filho de Deus vivo” (Mt 16:16), segundo a explicação de todos os Santos Padres do Oriente e do Ocidente, ela teria apenas fundamentos vacilantes, ainda que se apoiasse sobre a pessoa de Cefas e, com mais forte razão, na dos Papas que, depois de se terem apropriado, só para si, das chaves do Reino dos Céus, seguidamente fizeram delas uma utilização que a história denuncia claramente. Quanto ao sentido da tripla ordem: “Apascenta as minhas ovelhas”, os nossos mestres comuns, os santos Padres, estão de acordo em explicá-la, não como uma prerrogativa qualquer concedida a São Pedro em relação aos outros Apóstolos, e ainda menos aos seus sucessores, mas simplesmente como a sua reabilitação ao Apostolado que tinha diminuído pelo facto de, por três vezes, ter renegado o seu Mestre. O próprio São Pedro parece ter assim compreendido o sentido da tripla interpelação do Senhor: “Amas-me?” e destas palavras: “Mais do que estes” (Jo 21:16); porque, ao lembrar-se do que tinha dito o Senhor: “Ainda que vos torneis motivo de escândalo para todos jamais o sereis para mim”, ele afligiu-se ao ouvir perguntar-lhe por três vezes “Amas-me?”. Ora, os seus sucessores não quiseram ver, nessa palavra do Salvador, senão a mais alta benevolência para com Pedro, porque isso convinha aos seus fins.
XII
Sua Santidade menciona, ainda, que o Nosso Senhor disse a Pedro (Lc 22:32): “Rezei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma os teus irmãos”. A oração do Nosso Senhor foi proferida porque Satanás procurava tentar a fé de todos os discípulos e o Senhor só o permitiu em relação a Pedro e isso porque este tinha dito palavras presunçosas e considerava-se acima dos outros discípulos (Mt 26:33): “Ainda que vos torneis motivo de escândalo para todos os outros, jamais o sereis para mim”. Mas essa permissão do Senhor não durou muito tempo. Pedro dispôs-se a afirmar, sob juramento, que não conhecia esse homem. Quão fraca é a natureza humana quando abandonada a si própria! “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26:41). Essa permissão, dissemos nós, durou pouco tempo, a fim de que, ao cair em si mesmo e assim voltar ao Senhor, ele pudesse, pela sua conversão com as lágrimas do arrependimento, confirmar ainda mais os seus irmãos na fé posta Naquele que eles não tinham renegado, nem repudiado, com um falso juramento. Como os decretos do Senhor são repletos de sabedoria! Quão divina e abundante de mistérios foi essa última noite passada na terra pelo Salvador! Cumprimos essa mesma Ceia, até hoje, em virtude do preceito: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 11:26), e ainda: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice anunciareis a morte do Senhor até que Ele venha” (I Co 11:26). Esse amor fraternal, que nos foi recomendado, com tanta insistência, pelo nosso Mestre: “É por ele que todos conhecerão que sois os meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 15:35) (…). É este amor, dizíamos, que agiu até hoje sobre as almas dos povos que ficaram fiéis ao ensinamento de Cristo e, mais particularmente, sobre as almas dos seus pastores. Porque nós declaramos, publicamente, na presença de Deus e dos homens, que a oração do Nosso Salvador a Deus, o Seu Pai – a fim de que uma mútua caridade reine entre os Cristãos e mantenha-os unidos no seio de uma mesma Igreja, santa, católica e apostólica, na qual nós acreditamos, ”a fim de que eles sejam um como nós somos um “ (Jo 17:22) -, opera em nós, assim como sobre Sua Santidade, e que a nossa afeição e o nosso zelo fraternal confundem-se com os de Sua Santidade, apenas com a diferença que a ela impomos a condição de conservar intacto e puro o divino, o intocável, o perfeito símbolo da fé dos cristãos, segundo a palavra do Evangelho e as regras postas pelos sete Concílios Ecuménicos e conforme a doutrina da Igreja universal, invariável na sua perpetuidade, enquanto Sua Santidade só vê, nessa união, os meios para fortalecer e estender a autoridade dos seus modernos ensinamentos. Tal é, em poucas palavras, o ponto capital da discussão, tal é o muro da separação que se eleva entre eles e nós (…). Abordemos, agora, a terceira consideração: mesmo que se suponha, segundo as palavras de Sua Santidade, que a oração do Nosso Senhor, em favor de Pedro, que devia perjurar e renegá-lo, esteja ligada e seja inerente à Sé de Pedro, e que a sua influência se transmita a todos aqueles que, na sequência dos tempos, sentaram-se nessa Cátedra; ainda que já tenhamos dito que tal suposição não pode, de nenhum modo, servir para confirmar essa doutrina (como disso podemo-nos convencer, segundo as Escrituras, pelo próprio exemplo de São Pedro, mesmo após a vinda do Espírito Santo), sabemos positivamente, pelas palavras do Senhor, que deve vir um tempo em que essa oração, feita em previsão do prejuízo de Pedro, para que a fé não lhe faltasse no fim, agirá sobre algum dos seus sucessores que, como ele, chorará amargamente e, ao cair em si, acabará por nos confirmar, com tanto mais autoridade, a nós, os seus irmãos, na Confissão ortodoxa, a qual guardamos dos nossos predecessores. E prouvera ao Céu que esse verdadeiro sucessor de São Pedro fosse Sua Santidade! Mas a este humilde voto da nossa parte ser-nos-á permitido acrescentar um sincero e cordial conselho em nome da santa Igreja universal? Sem dúvida, não ousemos exprimir-nos como o faz Sua Santidade. Não pretendemos que se tome uma tão grande resolução, “sem outro adiamento”. Dizemos, pelo contrário, que a mesma seja feita, sem precipitação, após madura reflexão, e, se for necessário, depois de se aconselhar com os mais sábios teólogos, com os mais piedosos, os mais amigos da verdade e os mais isentos de preconceitos dentre os Bispos que, pela graça de Deus, abundam hoje entre todas as nações do Ocidente.
XIII
Sua Santidade diz que o Bispo de Lyon, Santo Irineu, escreveu em louvor da Igreja romana: “É preciso que toda a Igreja se harmonize, ou seja, todos os fiéis, de todos os lugares, devido à preeminência dessa Igreja, que fielmente conservou o ensinamento transmitido pelos Apóstolos sobre tudo o que crêem todos os fiéis do universo”. Embora este santo personagem tenha dito outra coisa bem diferente daquilo que pensam os partidários do Vaticano, deixamo-los tirar, desta passagem, a aceção e o significado que lhes convém e perguntamo-lhes: quem nega que a Igreja romana tenha sido apostólica e ortodoxa? Indicaremos, inclusive, para um seu maior louvor, segundo o historiador Sozomeno (Hist. Eclesiast., liv. III, cap. XII) a maneira pela qual ela pôde, até a algum tempo atrás, conservar a ortodoxia que nela louvámos, o que Sua Santidade omitiu: “Em geral, a Igreja de todo o Ocidente, ao governar-se estritamente segundo o teor dos dogmas transmitidos pelos nossos Pais, manteve-se isenta de toda a cisão e de toda a aberração nas questões religiosas”. Aliás, quem dos nossos pais, quem de nós mesmos negou as suas prerrogativas canónicas na ordem da hierarquia, enquanto ela se governava estritamente segundo os dogmas transmitidos pelos nossos Pais, aderindo à regra infalível da Escritura e dos santos Concílios? Presentemente, porém, nela não encontramos conservado o dogma da Santa Trindade, segundo o Símbolo dos Santos Padres reunidos no Primeiro Concílio de Niceia e no Segundo, de Constantinopla, Símbolo que eles confessaram, sancionaram e do qual o menor desvio foi culpado de anátema pelos cinco Concílios subsequentes. Nela não mais encontramos o tipo apostólico do Santo Batismo, nem a invocação do Espírito Santo sobre os Santos Mistérios; mas vemos, pelo contrário, com dor, que ela considera o santo Cibório como uma bebida supérflua, além de muitas outras coisas desconhecidas, não somente pelos nossos Santos Padres do Oriente que, em todo o tempo, foram a regra universal e os guias infalíveis da Ortodoxia, como bem sublinha “Sua Santidade”, por respeito à verdade, mas também pelos Santos Padres do Ocidente. Umas destas coisas é precisamente essa supremacia, pela qual Sua Santidade combate com todas as suas forças, como combateram os seus predecessores; supremacia transformada em soberania temporal, em vez de autoridade fraternal e da prerrogativa hierárquica, que ela possuía inicialmente. O que devemos, então, pensar das suas tradições orais, se as tradições escritas sofreram uma tão grande mudança e uma tão forte alteração para pior? E qual o homem suficientemente confiante no direito da Santa Sé para ousar dizer que, se o bem-aventurado Padre Irineu pudesse voltar à vida, ao ver hoje essa Igreja violentamente separada do antigo e primeiro ensinamento apostólico, em artigos tão importantes e tão essenciais para o Cristianismo, não seria o primeiro a opor-se às inovações, aos decretos arbitrários dessa mesma Igreja romana, na altura tão justamente louvada por ele, por se governar estritamente segundo o teor dos dogmas dos nossos Pais? Ao ver, por exemplo, a Igreja romana, que não satisfeita em rejeitar, na sua Liturgia, por instigação de alguns falsos doutores, a muito antiga e apostólica invocação do Espírito Santo, o que acaba, assim, lamentavelmente, por mutilar o serviço divino na sua parte mais essencial, esforça-se, continuamente, para que isso seja rejeitado, também nas Liturgias das outras Comunhões cristãs, pretendendo, falsamente e de uma maneira tão indigna de Sé apostólica de que se gaba, fazer crer que “este costume foi introduzido após a separação”. O que diria dessa inovação este Santo Padre, ele que nos assegura (Irineu, liv. IV, cap. 34, ed. Massuet, 1º) que “o pão terrestre, tomado sob a invocação de Deus, não é mais o pão vulgar”? François Feuardent, da ordem dos monges latinos chamados irmãos Menores e que publicou, em 1576, com comentários, as obras desse santo, notou, particularmente no capítulo 18 do primeiro livro, pág. 114, que Santo Irineu acreditava que o Mistério do serviço divino só ficava completo com essa invocação. “O pão da Eucaristia e o vinho misturado com água no cálice tornam-se, verdadeiramente, pelas palavras da invocação, o corpo e o sangue de Jesus Cristo” (Santo Irineu). O que diria ele, ainda, do aspeto do vicariato terrestre e da arbitragem universal, atribuídos a si próprios pelos Papas; ele que, por ocasião de um diferendo pouco importante acerca da época da celebração da Páscoa (Eusébio, Hist. Ecles. V,26) conseguiu, pelas suas admoestações enérgicas e virtuosas, reprimir os arrebatamentos aos quais se entregava o Papa Vítor, ao desprezar a liberdade cristã, na Igreja de Jesus Cristo? Ou seja: mesmo aquele, que é de Sua Santidade e que invoca o testemunho da supremacia da Igreja romana, declarou que o seu direito não é soberano, nem mesmo arbitral, o que o próprio São Pedro nunca o pretendeu, mas uma simples preeminência entre os irmãos no seio da Igreja universal, uma honra concedida aos Papas, tendo em vista a antiguidade e a distinção da cidade rainha. Foi assim que o Quarto Concílio Ecuménico, ao querer manter a independência das Igrejas, regulada pelo Terceiro Concílio Ecuménico (Cân. VIII), segundo os princípios do segundo Concílio (Cân. III), e apoiando-se sobre o Primeiro Concílio Ecuménico (Cân. VI), que chama ao poder arbitral do Papa sobre o Ocidente um costume, proclamou que “os Padres deram razão à preeminência aos Bispos de Roma, porque esta cidade era a capital do Império” (Cân. XXVIII), mas sem dizer uma só palavra acerca da origem, pretensamente apostólica, que remontaria a São Pedro e, ainda menos, sobre o Vicariato dos seus Bispos e o direito de ser o Pastor universal. Um tão profundo silêncio sobre tão grandes prerrogativas e, ainda mais, sobre as causas às quais se faz remontar a sua origem, atribuindo-as não a estas palavras “Apascenta as minhas ovelhas”, mas, simplesmente, ao costume e à circunstância de que esta cidade era a capital do Império, e estas prerrogativas assim explicadas, concedidas, não pelo Senhor, mas pelos Padres, parecerão, estamos seguros disso, tanto mais extraordinárias à Sua Santidade, que tinha uma outra ideia das suas prerrogativas, quanto nós a vemos fazer grande caso do testemunho que julga ter encontrado, dado sobre a sua Sé pelo dito Quarto Concílio Ecuménico…
(…)
XV
Sua Santidade disse, finalmente, que o Quarto Concílio Ecuménico (…) após leitura da carta do Papa Leão I, exclamou: “O próprio Pedro falou pela boca do Leão”. Isso é efetivamente verdade. Mas Sua Santidade não deveria ter deixado em silêncio como, e após que maduro exame, os nossos Padres aclamaram, assim, os louvores de Leão. Mas visto que Sua Santidade, talvez para abreviar, deixou incompleto o relato deste acontecimento tão importante e que prova, de uma maneira que não pode ser mais evidente, a que ponto o Concílio Ecuménico é superior em dignidade, não apenas ao Papa, mas também ao seu Colégio, vamos nós dar a conhecer ao público tudo o que se passou realmente ali.
Dentre os mais de seiscentos Padres reunidos no Concílio da Calcedónia, duzentos deles, os mais instruídos, foram designados pelo Concílio para examinar, segundo a letra e o espírito, a citada Epístola de Leão e para relatar, por escrito, e assinar o seu próprio julgamento sobre ela, se era ou não ortodoxa. As opiniões motivadas de cada Bispo, em número de duzentas, foram relatadas, textualmente, sobretudo na exposição da quarta sessão do dito Concílio.
Eis alguns exemplos:
“Máximo, Bispo de Antioquia, na Síria, diz: a carta do venerável Arcebispo da cidade capital de Roma, Leão, está de acordo com tudo o que foi exposto pelos 318 veneráveis Padres de Niceia, pelos 150 de Constantinopla, a Nova Roma, e com a fé exposta, em Éfeso, pelo santíssimo Bispo Cirilo. E assinei.”
E ainda:
“Teodoreto, Bispo de Ciro: a carta do venerável Arcebispo Leão está de acordo com a fé exposta, em Niceia, pelos veneráveis Padres e com o símbolo da Fé ditado, em Constantinopla, pelos 150 e com as cartas do venerável Cirilo: por isso, tendo concordado com a dita carta, assinei”.
E assim por diante, todos exprimem-se do mesmo modo: “a carta está de acordo”, “a carta está de acordo quanto ao sentido” etc. Foi após um tão grande e minucioso exame, ao compará-la com os dogmas dos santos Concílios anteriores e depois de se terem plenamente convencido da retidão dos pensamentos, e não simplesmente porque se tratava de uma carta do Papa, que eles proferiram essa declamação famosa, de que se gaba e com que se enfeita hoje Sua Santidade. Mas se Sua Santidade nos enviasse pensamentos em acordo perfeito com os primeiros sete Concílios Ecuménicos (…), teria razão de se gabar da sua própria ortodoxia e, em vez de proclamar as belas ações dos seus Pais, mostraria as suas próprias ações. Depende, então, de Sua Santidade enviar-nos, ainda hoje, os tais pensamentos que duzentos Padres, depois de os terem examinado e comparado, encontraram-nos em acordo perfeito com os primeiros Concílios; depende Dela, dizíamos, ouvir igualmente de nós, humildes pecadores, não apenas estas palavras: “o próprio Pedro falou pela sua boca” e outros louvores semelhantes, mas ainda isto: “Beijemos a venerável mão que secou as lágrimas da Igreja universal”.
XVI
E, certamente, era permitido esperar da alta inteligência de Sua Santidade uma obra tão grande, digna de um verdadeiro sucessor de São Pedro, de Leão I e de Leão III – que, para conservar intacta a Fé ortodoxa, fez gravar o divino símbolo sobre tábuas à prova de qualquer ataque -; essa obra reuniria as Igrejas do Ocidente à santa Igreja universal, na qual a preeminência canónica de Sua Santidade e as Sés de todos os Bispos do Ocidente permanecem vagas, mas prontas a serem-lhe entregues. Porque a Igreja universal, sempre disposta a acolher o regresso dos pastores que desertaram com os seus rebanhos, não ordena, sob um nome vão, intrusos para Sés que são ocupadas, de facto, por outros, de forma a negociar, assim, com o sacerdócio. Esperávamos esse apelo e nele fundamentávamos as nossas esperanças a fim de, como escreveria são Basílio a Santo Ambrósio, Bispo de Milão (Carta 55), “reintegrar os traços antigos dos nosso Pais”, quando, ao ler, não sem grande espanto, a Encíclica aos cristãos do Oriente, vimos, com indizível dor, Sua Santidade, tão elogiada pela sua sabedoria, seguir o exemplo dos seus predecessores desde a separação (…). Por aí pudemos julgar em que inextrincável labirinto de erros, em que círculo vicioso, o Papismo lançou, mesmo os mais sábios e os mais piedosos Bispos da Igreja romana, para que, assim, possam conservar, e não de outro modo, o dogma da infalibilidade e, por consequência, a pretensão ao Vicariato e à primazia absoluta que dela decorre, senão por espezinhar tudo o que há de mais divino (…).
“Vós não pudestes conservar, entre vós, a unidade do ensinamento sagrado e do governo eclesiástico”. Sua Santidade atribuiu-vos, estranhamente, a sua doença! Era assim que Leão IX escrevia, outrora, ao bem-aventurado Miguel Cerulário, ao acusar os gregos de não terem respeito, nem pela sua dignidade, nem pela sua história, tendo alterado o Símbolo da Igreja universal. Mas estamos convencidos que se Sua Santidade chamar à sua memória a arqueologia eclesiástica e a história, o ensinamento dos Santos Padres e as Liturgias antigas da Gália e da Espanha e o Breviário da antiga Igreja de Roma, ficará espantado por descobrir quantas outras monstruosidades, ainda existentes, o Papismo deu à luz no Ocidente, enquanto a ortodoxia conservou, entre nós, a Igreja universal, como uma noiva sem mácula para o seu celeste Esposo, ainda que não sejamos sustentados por nenhum poder secular, que Sua Santidade qualifica como “governo eclesiástico”, não tendo outro laço, entre nós, senão o de uma caridade mútua, nem outra garantia de unidade, que não seja a nossa piedade filial em relação à nossa Mãe comum; e essa piedade filial é a fonte da nossa obediência à verdade e à doutrina marcada pelos sete selos do Espírito (Ap 5:4), ou seja, os sete Concílios Ecuménicos (…)
XVII
De tudo o que foi dito, qualquer homem familiarizado com a santa doutrina católica e, com mais forte razão, Sua Santidade, pode concluir como é ímpio e contrário aos decretos dos Concílios ousar atentar contra os nossos dogmas, as nossas Liturgias e as nossas outras práticas sagradas, que são e que se confessa serem contemporâneas da pregação cristã, visto que sempre foram respeitadas e consideradas como invioláveis, mesmo no julgamento dos antigos Papas ortodoxos, os quais, então, eram-nos comuns. Como, pelo contrário, é salutar e conforme à religião corrigir inovações, cujas datas nos anais da Igreja romana são-nos perfeitamente conhecidas e contra as quais os nosso Pais, na altura, protestaram. Existem, ainda, outras razões que militam a favor das reformas indicadas e apresentam-se à Sua Santidade como muito admissíveis: primeira, que os nossos dogmas eram outrora venerados pelos ocidentais, visto que tinham as mesmas práticas religiosas e confessavam o mesmo símbolo; enquanto os dogmas novos, não sendo mesmo conhecidos dos nossos Pais, não podem apoiar-se nos escritos dos Padres ortodoxos do Oriente e nem o poderiam nos escritos dos Padres ortodoxos do Ocidente e não poderiam ser recomendáveis, nem pela sua antiguidade nem pela sua catolicidade. Seguidamente, entre nós, as inovações não puderam ser introduzidas, nem pelos Patriarcas, nem pelos Concílios, porque, para nós, a salvaguarda da religião reside no corpo inteiro da Igreja, ou seja, no próprio povo que quer que o seu dogma religioso permaneça eternamente imutável e em conformidade com o dos seus Pais, como verificaram diversos Papas depois do cisma e alguns Patriarcas partidários do Papado, que nada conseguiram. Na Igreja do Ocidente, pelo contrário, em diferentes épocas, alguns Papas sancionaram, com ou sem dificuldade, inovações por deferências, como diziam para se justificar aos nossos Pais, ainda que, dessa forma, desmembrassem o corpo de Jesus Cristo. Assim, também um Papa, desta vez, por uma medida verdadeiramente justa de deferência divina pode, ao consertar, não as malhas, mas a própria túnica toda rasgada do Salvador, reedificar a venerável antiguidade “capaz de conservar a devoção”, como diz Sua Santidade (…). Que a Igreja católica aproveite, ao menos, essa vantagem da infalibilidade presumida dos decretos dos Papas! (…) Mas, enquanto aguardam este retorno tão desejado das Igrejas, afastadas do corpo da Santa Igreja una, católica e apostólica, de que “Jesus Cristo é a cabeça” (Ef 4:15) e cada um de nós “um dos membros”, todo o conselho vindo da sua parte e toda a exortação que atinja a irrepreensível Fé, que guardamos de nossos Pais, são justamente condenadas em Concílio, não apenas como suspeitas, que devem ser rejeitadas, mas, ainda, como erróneas e tendentes a comprometer a salvação das almas. Nessa categoria, deve ser incluída, em primeira linha, a Encíclica aos Cristãos do Oriente, do Bispo da antiga Roma, Papa Pio IX; e nós proclamamo-la, como tal, à Igreja universal (…).
(…)
XXII
Reconheçamos, então, nossos irmãos e filhos em espírito, a grandeza da graça concedida por Deus à nossa Fé ortodoxa e à Sua Santa, Una, Católica e Apostólica Igreja que, tal como uma Mãe, irrepreensível aos olhos do seu esposo, eleva-nos prontos a responder, sem dificuldade e com nobre segurança, pela “esperança que está em nós”. Mas, o que daremos nós, pecadores, ao Senhor “por tudo o que nos foi dado”? O nosso Senhor, que de nada tem necessidade, o nosso Deus, que nos resgatou pelo Seu próprio sangue, nada mais nos pede senão a nossa devoção, com todo o coração e alma, à irrepreensível Fé dos nossos Pais; com todo o nosso amor e ternura, à Igreja Ortodoxa, que nos purificou, não por uma aspersão novamente inventada, mas pela divina imersão do Batismo apostólico; a essa Igreja que nos alimenta, segundo o imortal Testamento do nosso Salvador, do Seu próprio Corpo, e que, como uma verdadeira Mãe, sacia-nos, abundantemente, pelo precioso sangue, que Ele derramou para a nossa salvação e do Universo. Envolvamo-nos, então, em espírito, “como os passarinhos à sua mãe”, em qualquer parte da terra em que vivamos, no Norte ou no Sul, no Oriente ou no Ocidente. Liguemos os nossos olhos e espíritos ao seu aspeto divino, à sua beleza resplandecente. Agarremo-nos à sua túnica luminosa, a qual foi revestida pelas próprias mãos do ”Esposo de uma beleza perfeita”, quando Este a libertou da escravidão do erro e a vestiu como uma Esposa eterna (…)
Constantinopla, 6 de maio de 1848
† Antémio, patriarca de Constantinopla e mais 18 bispos do seu sínodo patriarcal,
† Hieroteos, patriarca de Alexandria,
† Metódio, patriarca de Antioquia e mais 4 bispos do seu sínodo patriarcal,
† Cirilo, patriarca de Jerusalém e mais 7 bispos de seu sínodo patriarcal.
Tradução: monja Rebeca (Pereira)
Redação: Gabriela Mota