Acatisto (Akáthistos) — literalmente “sem se sentar”, isto é, “recitado de pé”: hino composto talvez pelo patriarca Sérgio, em 626, quando Constantinopla foi cercada pelos ávaros e o povo aterrado se juntou em Santa Sofia, pois o imperador Heráclio estava longe, com todo o seu exército, combatendo os persas. Passaram a noite a pedir a Nossa Senhora que os livrasse, cantando em pé (daí o nome de acatisto “sem se sentar”) e no dia seguinte o cagano (qaghân) ou rei dos ávaros levantou o cerco. O Sinaxário designa os ávaros por sármatas, o que é um arcaísmo de linguagem, pois os sármatas ou citas (iranianos nómadas) haviam desaparecido há muito das costas setentrionais do Mar Negro, que eram agora ocupadas por invasores de origem turco-mongol como os ávaros. O hino Acatisto tornou-se muito popular em todo o Oriente bizantino e c. 800 foi traduzido em latim em Veneza. Recita-se sobretudo na Quaresma, não porque tenha com ela alguma relação particular, mas devido à vizinhança da festa da Anunciação, a 25 de março, que cai sempre na Quaresma. Modernamente compuseram-se também, à imagem deste, hinos acatistos em honra de vários santos.
Anáfora — literalmente “ato de erguer, elevação [de um sacrifício até Deus], oferenda”, nome que se dá à peça fundamental da liturgia eucarística, a grande oração consecratória. No rito bizantino atual usam-se geralmente apenas duas: a anáfora de S. João Crisóstomo, mais breve, nos dias comuns, e a de S. Basílio nas festas principais; mas outras existem, usadas em certas igrejas. São muito numerosas as redigidas em siríaco e em etiópico, usadas no rito sírio e no rito etíope. Na liturgia romana chama-se-lhe cânon, “regra”, termo que evitamos pois presta-se a confusões com a composição, completamente diferente, designada por cânon na tradição bizantina.
Apolytíkion — o mesmo que “tropário do dia”, o tropário principal de cada celebração que resume em poucas palavras a festa ou o mistério que se celebra. O nome de apolytíkion, “terminal, final” advém-lhe de se repetir no final de todos os ofícios desse dia.
Cânon — composição poética formada as mais das vezes de oito odes ou séries de tropários, concebidos para serem intercalados entre os oito ou nove cânticos bíblicos que se liam ou cantavam no ofício de Matinas, entre o salmo 50 e os salmos de laudes (148-150). Embora estes possam ser lidos ou cantados, muito raramente o são (a não ser o 9º cântico, o Magnificat ou canto da Virgem Maria), substituindo-se normalmente por uma curta invocação repetida a cada estrofe. Como o segundo desses nove cânticos bíblicos (o canto de Moisés em Deuteronómio 33, 1-44) apenas se lê na Quaresma, a maioria dos cânones não possuem a segunda ode, contando por conseguinte apenas oito. Cf. Triodion.
Cânon paraclético — “cânon de suplicação”, em princípio endereçado à Virgem Deípara, frequentemente cantado ou lido nos mosteiros e igrejas seculares, ou recitado em privado pelos fiéis.
Catisma ou Kathisma — literalmente “sessão, ato de se sentar”. Na liturgia bizantina o termo usa-se em duas acepções: 1. cada uma das 20 secções em que se divide o Saltério, o que corresponde em média a 9 salmos; 2. um tropário breve a ler após a leitura do saltério ou a intercalar no cânon.
Completas — o último ofício de cada dia civil, antes do sono, que completa o ciclo diurno, de onde o seu nome. Na liturgia bizantina, tal como também, por exemplo, no rito bracarense, existem dois formulários, um maior ou mais extenso e um menor, destinado este aos dias comuns , aquele aos de penitência, especialmente na Quaresma.
Credo niceno-constantinopolitano — a forma do Credo, símbolo ou profissão de fé, aprovada no concílio de Niceia (325), ampliada no de Constantinopla (381) e fixada definitivamente por decreto do concílio de Éfeso (431). O concílio de Niceia, convocado para discutir a heresia de Ário, que negava a divindade de Cristo, adotou uma fórmula baseada no símbolo batismal usado na igreja de Cesareia da Palestina, proposta pelo seu bispo Eusébio, a que foram ajuntadas algumas frases anti-arianas insistindo na divindade de Jesus. O concílio de Constantinopla, que na realidade foi um concílio regional convocado para debater a divindade do Espírito Santo, negada por Macedónio, acrescentou-lhe os artigos de fé sobre o Espírito Santo e sobre a Igreja; veio mais tarde a ser considerado um concílio ecuménico, o segundo da lista geralmente aceita. O concílio de Éfeso proibiu que se acrescentassem mais artigos ao Credo de Niceia, que ficou assim a ser a lista das verdades fundamentais que devem ser cridas por todo o cristão e que não é lícito discutir; veio, contudo, a verificar-se que, embora tivessem caído no esquecimento, haviam sido já acrescentados no concílio de Constantinopla, anterior ao de Éfeso, os artigos sobre o Espírito Santo, e assim constavam dos arquivos imperiais, pelo que o concílio ecuménico de Calcedónia (451) aprovou como definitiva a fórmula adotada em Constantinopla.
Deípara — literalmente, “que pariu um deus”, tradução do grego Theotokos, que é na liturgia bizantina o epíteto preferido atribuído à Virgem Maria. O termo grego Theomêtor é praticamente equivalente, mas traduzido à letra por “Mãe de Deus” é ambíguo, pois poderia dar a ideia de que Maria era a Mãe do Deus que por definição não pode ter mãe, pois é Ele o princípio de tudo. Em português é preferível a expressão “Madre de Deus” ou, como se diz abreviadamente na linguagem popular “Madredeus”, pois o termo madre, embora originalmente sinónimo de “mãe” (que, tal como pai, era um termo da linguagem infantil que a partir do século XVI gradualmente passou à dos adultos) pode também significar “útero, ventre” e é por isso adequado para designar aquela “que trouxe um Deus no seu útero”. O concílio de Éfeso (431) autorizou o uso dessas expressões aplicadas à Virgem Maria, porque “pariu um homem que é Deus”, visto em Jesus coexistirem duas naturezas na mesma única pessoa teândrica (i. e., ao mesmo tempo divina e humana).
Doxologia — Literalmente “glorificação” (do grego doxa, “glória”), nome que se dá às fórmulas que exprimem a glória devida a Deus, de que a mais comum é a “Gloria ao Pai, ao Filhos e ao Espírito Santo” com que se encerra cada série de salmos ou de tropários do ofício. A fórmula final de cada uma das orações recitadas pelo celebrante na liturgia é geralmente também uma doxologia. Chama-se Grande Doxologia o hino “Glória a Deus nas alturas…” (cujo núcleo, comum a todas as liturgias cristãs, é de uma venerável antiguidade, embora as invocações que se lhe seguem sejam mais modernas), com que termina o ofício de Matinas nos domingos e dias de festa, e Pequena Doxologia a fórmula, cujo núcleo é idêntico mas diferentes as adjunções, usada nos dias feriais.
Ecfonese — parte terminal de uma oração, que deve ser sempre cantada ou recitada em voz alta, mesmo que a oração que remata tenha sido lida em voz baixa. Contém geralmente uma doxologia trinitária, ou seja, uma forma de louvor à Santíssima Trindade.
Estiquero — literalmente: “elemento”, verso ou versículo de um salmo, ou, por analogia de um tropário ou de um hino.
Eucaristia — literalmente “agradecimento, ação de graças”, designa em especial a consagração e comunhão dos Santos Dons, transmudados pela anáfora em corpo e sangue do Senhor. Segundo o Evangelho de S. Lucas (22, 19) e segundo S. Paulo (I Cor, 11, 21) o próprio Cristo na Última Ceia deu graças a seu Padre Eterno antes de partir o pão e o distribuir aos discípulos. A Eucaristia recebe diversos nomes, consoante as diferentes tradições: no Oriente de tradição bizantina Divina Liturgia, “função divina”, no Ocidente Missa, literalmente “coisas mandadas [fazer pelo Senhor], aludindo ao mandamento “fazei isto em memória de Mim”, no rito sírio Kurbânâ, “oferenda, sacrifício”, no rito caldeu Qudasha, “santificação”, etc.
Feriais (dias) — dias em que não ocorre nenhuma festa ou memória de algum santo, ou que, como sucede na Quaresma, essa é preterida pelo ofício do tempo, disposto segundo as “feiras” ou dias da semana (segunda-feira, terça-feira, etc., em latim secunda feria, tertia feria, etc., de onde o nome de feriais) e não segundo os dias do mês.
Filantropo — “que ama os homens”, “amigo dos homens”, epíteto de Deus, que é um Deus de amor. Nalgumas línguas adquiriu o sentido de “pessoa que ama os homens e lhes faz bem”, sem referência a Deus, tornando-se assim aos olhos dos cristãos um termo de certo modo pejorativo; mas essa conotação não se verifica em protuguês.
Hirmos — literalmente “série, encadeamento”, nome que se dá à estrofe que abre a série de tropários de cada uma das odes do cânon, que adotam o mesmo metro e a mesma melodia, servindo-lhes por assim dizer de modelo.
Ikos ou Œkos — literalmente “casa”; nome que se dá às estrofes (hoje apenas uma) que seguem um kontákion, de que adotam o ritmo e a melodia, desenvolvendo o mesmo tema e permanecendo por assim dizer “em sua casa”.
Kathisma — vide “catisma”.
Kontákion ou Kondákion (pronúncia moderna do mesmo termo) — literalmente “curtinho”, nome que se dá a uma antiga forma de poesia religiosa, desenvolvida no século VI por S. Romão ou Romano, dito “o melodo” ou “o melódico”, que foi destronada pelo desenvolvimento dos cânones, apenas permanecendo em uso a estrofe inicial seguida do seu primeiro ikos, intercaladas na 6ª ode do cânon.
Laudes — nome que se dá aos salmos de louvor que encerram o saltério bíblico (salmos 148-150); no Ocidente o nome de laudes estendeu-se a toda a segunda parte da vigília noturna, a partir do salmo 50.
Madredeus — vide Deípara.
Mãe de Deus — vide Deípara.
Matinas — A pequena vigília noturna quotidiana, de origem monástica, comportando a recitação de um certo número de salmos, distinta da vigília pascal, de estrutura diferente, que durava a noite inteira, embora estrutura a desta tenha influenciado, em maior ou menor medida segundo as várias tradições, a das matinas dominicais. Em todas as liturgias cristãs o ofício de matinas conclui com as laudes, que faziam já parte da liturgia judaica. Geralmente eram recitadas antes do nascer do sol e de modo a que as laudes coincidissem com a aurora, de onde o nome de matinas (sem embargo de por vezes serem antecipadas para o começo na noite anterior).
Megalinário — versículo que nos principais dias festivos serve de refrão à nona ode do cânon, substituindo o canto do Magnificat ou cântico da Virgem Maria (Luc 1, 46-55), mas glosando o mesmo tema e começando em geral pela mesma palavra megalynei, “magnifica…”
Menológio — livro, geralmente em doze tomos correspondentes aos doze meses do ano, que contém os ofícios dos santos e das demais festas de data fixa; o nome advém-lhe do grego mên, “mês”.
Metanóia — literalmente “mudança de pensamento” e daí “conversão, penitência”; na prática designa o ato penitencial que consiste em inclinar-se, curvando os joelhos, até tocar com a cabeça no chão (grande metanóia), ou a inclinar o tronco tocando com as pontas dos dedos das mãos no solo (pequena metanóia).
Ode — cada um dos poemas litúrgicos que compõe o cânon, glosando (pelo menos de início) cada um dos cânticos escriturísticos que se cantam ou recitam no ofício de Matinas, entre o salmo 50 (Miserere) e as laudes; idealmente cada ode deveria conter 14 tropários.
Œkos — vide ikos.
Padre Eterno — epíteto que se dá tradicionalmente à Primeira Pessoa da Santíssima Trindade, Deus Pai. As formas pai e mãe confinavam-se na Idade Média à linguagem infantil, pois os adultos diziam padre e madre; no século XVI começaram porém a estender-se à linguagem corrente dos adultos, tornando-se padre e madre formas de cerimónia, usadas por exemplo para os pais dos reis. Entre fins do século XIX e começos do século XX tanto a igreja católica portuguesa como a brasileira decidiram substituir Padre por Pai nas fórmulas da liturgia como “glória ao Padre, ao Filho e ao Espírito Santo”, “Padre nosso que estais nos céus”, etc.; no entanto permanecem em uso expressões como “Padre Eterno”, “à mão de Deus Padre”, “rezar um Padre-Nosso”, etc. Os termos padre e madre apenas permanecem em uso obrigatório quando usados em sentido espiritual, para designar um sacerdote ou uma monja, caso em que se não podem substituir por pai ou mãe. Decidimos usar de vez em quando as forma antigas, aplicadas a Deus e a Nossa Senhora, para recordar que o padre (sacerdote) e a madre (religiosa) apenas o são porque participam da paternidade e maternidade divinas.
Prokímenon — literalmente “antetexto, texto prévio”; usa-se para designar os dois ou três versículos que acompanham uma leitura bíblica, podendo ser cantados ou recitados pelo leitor, antes da leitura em si. Nas liturgias ocidentais chama-se-lhe responsório, porque segue a leitura em vez de a preceder, constituindo por assim dizer a resposta da comunidade à lição escutada.
Sinaxário — Livro que contém, disposta por datas do calendário, a lista dos santos ou dos eventos históricos comemorados em cada dia do ano, acompanhados por vezes de uma notícia histórica um pouco mais extensa. Corresponde assim ao que no Ocidente é designado por Martirológio. Nos mosteiros faz-se normalmente uma leitura do Sinaxário a Matinas, intercalada na 6ª ode do cânon.
Soberano/Soberana — assim traduzimos os termos gregos Déspota/Déspina, reservando os termos Senhor/Senhora para traduzir o grego Kyrie/Kyria.
Stavrotheotókion — “theotókion da cruz”, nome que se dá a um théotokion recitado à quarta ou à sexta-feira, que versa o tema da Paixão de Cristo ou da presença da Virgem Maria junto à cruz. É por conseguinte dedicado à Mater Dolorosa, na linguagem popular designada por “Nossa Senhora das Dores”, a Virgem Deípara que se compadece com o Filho e é assim, de certo modo, nossa corredentora.
Theotókion — Tropário em honra da Virgem Deípara (Theotokos) que em quase todos os ofícios encerra cada série de tropários, normalmente após o versículo “agora e sempiternamente…”..
Theotokos — vide Deípara.
Típicos meridianos — Nome de um ofício designado nos livros litúrgicos simplesmente por típicos, destinado a ser celebrado a meio do dia, razão por que na ordem dos livros aparece após o ofício de Noa, ao começo da tarde; para maior clareza, demos-lhe na tradução o epíteto de típicos meridianos, ou seja, “do meio do dia”, que permite distingui-lo da Liturgia dos Pressantificados, celebrada na Quaresma após o ofício de Vésperas. O costume dos antigos cristãos mais piedosos, que se mantém ainda na Etiópia, era não tomar alimento algum antes na nona hora do dia e é por isso que nos livros figura após a hora Noa. Trata-se de um ofício de comunhão sem consagração (portanto de Dons “pressantificados” ou seja, já consagrados), que assim constituem como que um “tipo” ou “imagem” da liturgia eucarística completa, de onde o seu nome. O formulário que consta dos livros é originário dos mosteiros da Palestina, ao passo que o da Liturgia dos Pressantificados, atribuído tradicionalmente a S. Gregório Magno, papa de Roma, o que historicamente não é exato, provém da liturgia catedral de Constantinopla. Os primitivos cristãos levavam para casa o Pão consagrado na liturgia dominical, que todos os dias tomavam em jejum como primeiro alimento; mas essa prática caiu rapidamente em desuso, pois dava frequentemente azo a faltas de respeito e descuidos com as espécies consagradas. Os fiéis podem utilizar este formulário para fazerem a sua “comunhão espiritual”, em pensamento, quando se não podem deslocar à igreja.
Triódio — literalmente “conjunto de três odes”; designa: 1. um cânon formado de apenas três odes, de que a primeira varia com o dia da semana, a segunda corresponde sempre ao Cântico dos Três Jovens na Fornalha ou Cântico das Criaturas (Daniel 3, 57-88) e a terceira ao Magnificat (Lucas 1, 46-55); tal é ainda o uso da liturgia dos coptas do Egito, e tal foi também outrora o uso em Bizâncio, onde no entanto o uso do cânon de oito odes, de começo reservado às grandes festas, se generalizou a todos os dias do ano, à exceção das férias ou dias feriais da Quaresma; 2. o livro litúrgico que contém os ofícios da Grande Quaresma, em que se recitam cânones de três odes, e das quatro semanas que a precedem e preparam.
Triságio — “três vezes Santo”, nome que se dá: 1) à aclamação “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus…”, inserta em todas as anáforas eucarísticas de todas as liturgias cristãs (Isaías 6, 3 + Mateus 21, 9), mas apenas usada nesse caso; 2) à súplica “Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós” que ocorre em todos os ofícios.
Tropário — composição eclesiástica em forma de estrofe poética, cujo ritmo se baseia no acento.
Vésperas — o primeiro ofício de cada dia litúrgico, recitado na tarde precedente ao pôr do sol, segundo a tradição judaica que fazia começar o dia no momento do crepúsculo; daí o nome de véspera dado em português e em espanhol ao dia que antecede qualquer festa ou qualquer evento.