Primeiramente, quando nos referimos à oração, é necessário dizer que ela não pode ser independente. Não posso afirmar que oro se, no entanto, a minha oração não está em união com o seu complemento. Existem coisas que, de facto, estão sempre juntas e não podemos separar uma da outra. Como, por exemplo: Porque o Apóstolo Paulo, ao falar da fé, não mencionou as obras (Rm 4:5)? Porque ao dizer “fé”, ele compreendeu uma fé que existe e que se manifesta por meio das obras. São Tiago, ao falar das obras (Tg 2:14-26), disse que a fé não tem sentido algum sem elas. Ele falava constantemente das obras, mas porquê? Porque as obras demonstram a fé. Essas duas realidades formam, então, um todo indissolúvel.
Da mesma forma, a oração está intimamente associada a uma outra realidade. Está ligada à Liturgia e, mais profundamente, à Santa Comunhão. Sem a Liturgia e sem o Sacramento da Comunhão, a existência da oração é quase impossível. Toda a oração seria, então, uma farsa. De igual modo, estejamos certos de que o culto que rendemos a Deus, tal como a nossa comunhão, são vãos diante de uma vida litúrgica marcada pela ausência de oração espiritual (falo de uma oração interior forte, consolidada). Eles não passam de lama, lançada aos olhos de Deus, para Lhe fazer crer que O amamos, quando, na realidade, não temos relação alguma com Ele e eis que, um dia, Ele nos dirá: “Em verdade vos digo que não vos conheço” (Mt 2:12 e Lc 13:25). A vida litúrgica e a oração formam um todo. Elas constituem os dois ramos da vida espiritual. A primeira é a vida sacramental – condição fundamental da vida mística – e a segunda (a oração, que hoje analisamos), é a raiz, o tronco, o ponto central da vida mística, que jorra da vida sacramental. A Santa Comunhão vem, então, em primeiro lugar no seio do culto. E por qual razão? Porquê é ela o preâmbulo indispensável?
Quando falamos da oração interior, não utilizamos a palavra proseuche mas, simplesmente, o vocábulo euche, pois o prefixo “pros” (“em direção a”) indica-nos seguidamente que a oração é um caminho direcionado a alguém, com o desígnio de nos unirmos a essa Pessoa. A oração interior (euche) é uma pausa – se assim o podemos exprimir – um ato de júbilo que tem lugar num certo ponto onde Deus Se encontra. Como vedes, é necessário fazer uma distinção.
Dizemos, então, que a oração (proseuche) supõe que nos dirijamos a uma Pessoa. Por consequência, para que haja oração, é preciso que essa Pessoa exista. E para poder dizer que oro, é preciso que a Sua presença e a Sua existência tornem-se familiares para mim. Cristo, Aquele que está “no interior” de todas as coisas, que está presente em tudo, torna-Se presente na minha vida, por meio da minha participação litúrgica e, de uma forma privilegiada, da minha participação nos Santos Mistérios.
Através da minha participação na vida litúrgica da Igreja, associo-me a Cristo, tornando-me um membro do Seu Corpo. E, à medida em que sou membro do Seu corpo – pois torno-me efetivamente um membro vivo do Seu Corpo – faz-se necessário que eu participe nas propriedades de Cristo, a fim de que se realizem em mim a perichoresis e a permuta das qualidades, da mesma maneira que, em Cristo, as Suas duas naturezas – a divina e a humana – complementam-se reciprocamente. Uma tal interpretação realiza-se através da Santa Comunhão, que me faz participante das propriedades d’Aquele que é a minha Cabeça, Cristo, com Quem me tornei um.
Em consequência, a vida litúrgica e a Santa Comunhão estão indissoluvelmente ligadas. E o que elas operam? Elas tornam Deus, o Deus Vivo, presente em mim. O que resta a fazer agora? Dirigir-me Àquele que vem na minha direção. Assim, por meio da Liturgia, Deus aproxima-Se de mim (perichoresis) e, por meio da oração, aproximo-me d’Ele (proseuche), até que essa união seja total.
Essa orientação de todo o meu ser em direção a Deus realiza-se pela via mística, contínua, e, essencialmente, pela oração. Aquilo que se produz, num dado momento, no interior da Igreja, nas Vésperas, ou durante a celebração eucarística, através da minha participação nos Santos Mistérios, terá prosseguimento na oração. Não posso dizer que vou à Igreja se, em contrapartida, não fizer antes a minha oração. Será, então, supérfluo ir à Igreja, desnecessário assistir à Liturgia e inútil comungar, se não estiver em estado de contínua oração. Será, também, inútil orar quando não participo em tudo o que veio a ser dito. Todavia, a condição primordial e evidente é assegurar à oração um lugar próprio, reservado, um espaço místico onde ela possa ser cultivada.
Quando plantamos uma flor, preparamos a terra, tornamo-la fértil, adicionamos os adubos necessários, a fim de que, dessa raiz, nasça uma flor. Se não a adubarmos, nem prepararmos a terra – deixando-a arenosa, por exemplo -, é em vão que plantamos essa raiz. O mesmo acontece com a oração, que permanecerá estéril, não ultrapassando o cimo da nossa cabeça – nem ainda podendo chegar às alturas das nuvens, atingindo os Céus – caso não seja plantada na sua terra mística, enriquecida pelo complemento espiritual: a vigília, a meditação e o jejum.
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Esta Catequese ocorreu em 1974 e foi dirigida à jovem comunidade dos monges recém-instalados no Mosteiro de Simonos Petra (Monte Atos). O Arquimandrita Emilianos de Simonos Petra e Ormylia falou-lhes da oração do coração.
Tradução: monja Rebeca (Pereira)
Redação final: Gabriela Motta