1. O que é um ícone?
Um ícone é uma imagem (normalmente bidimensional) de Cristo, dos santos, dos anjos, de importantes passagens bíblicas ou de eventos da história da Igreja.
São Gregório Dialogista (Papa de Roma, 590-604) dizia que os ícones são a Escritura para os iletrados:
“Pois aquilo que a escrita apresenta ao leitores, esta figura apresenta ao não esclarecido que a contempla, já que nela até mesmo os ignorantes vêem o que devem seguir, nela o iletrado lê” (Epístola ao Bispo Serenus de Marselha, NPNF 2, Vol. XIII, pág. 53).
A todos os que sugerem que isso já não é relevante na nossa era iluminada, considerem a taxa de analfabetismo funcional bastante grande que ainda temos e o facto de que, mesmo nas sociedades mais alfabetizadas, há sempre um segmento iletrado considerável … os seus filhos pequenos.
Os ícones fazem, também, com que as nossas mentes ascendam das coisas terrenas às celestiais. São João Damasceno escreveu: “somos levados por ícones visíveis à contemplação do divino e do espiritual” (PG 94:1261a). Ao guardar na nossa memória o que é representado no ícones, somos inspirados a imitar a santidade dos que neles são representados. São Gregório de Nissa (330-395) mencionou o facto de não conseguir passar diante do ícone em que Abraão oferece Isaque em sacrifício “sem derramar lágrimas” (PG 46:572). Sobre isto, observou-se no Sétimo Concílio Ecuménico: “Se até mesmo a tal Doutor a figura foi útil e o fez derramar lágrimas, quanto mais aos ignorantes e simples trará compunção e benefício” (NPNF 2, vol. 14, p. 539).
2. Os cristãos ortodoxos oram aos ícones?
Os cristãos ortodoxos oram na presença dos ícones (assim como os israelitas oravam na presença dos ícones no Templo), mas não oram à imagem.
3. Os ícones operam milagres?
Para colocarmos esta questão sob uma perspetiva apropriada, consideraremos algumas outras questões: a Arca da Aliança operava milagres (cf. Js 3:15; 1Sm 4:6; 2Sm 11:12)? A Serpente de Bronze curou aqueles que tinham sido picados pelas serpentes (Nm 21:9)? Os ossos do profeta Elias ressuscitaram um homem dentre os mortos (2Rs 13:21)? A sombra de São Pedro curava os doentes (At 5:15)? Os lenços e outros panos de São Paulo curaram os doentes e expulsaram os maus espíritos (At 19:12)?
A resposta para essas perguntas é, de certa forma, sim. Todavia, para ser preciso, era Deus que escolhia estes objetos para operar milagres através deles. No caso da Arca e da Serpente de Bronze, temos imagens usadas para operar milagres. Deus operou milagres através das relíquias do profeta Elias, através da sombra de um santo e através de objetos que tão-somente tinham tocado um santo. Porquê? Porque Deus honra a todos aqueles que O honram (1Sm 2:30) e, assim, alegrou-se em operar milagres através dos Seus santos, até mesmo por meios indiretos. O facto de Deus poder santificar coisas materiais não deveria surpreender os familiarizados com as Escrituras. Por exemplo: não apenas o altar do templo era santo, mas tudo o que o tocava também se tornava santo (Êx 29:37). Rejeitar a verdade de que Deus opera através de coisas materiais é cair no gnosticismo.
Então, sim, em termos imprecisos, os ícones podem operar milagres – mas, para ser mais preciso, é Deus quem opera os milagres através dos ícones, porque Ele honra aqueles que O honraram.
4. Os cristãos ortodoxos adoram os ícones? Qual é a diferença entre “adoração” e “veneração”?
Os cristãos ortodoxos não adoram os ícones, no sentido de como a palavra “adoração” é utilizada normalmente no inglês moderno. Em traduções antigas (e também em algumas traduções recentes, nas quais os tradutores insistem em usar a palavra no seu sentido original), encontra-se a palavra “adoração” como tradução para a palavra grega proskyneo (literalmente, reverenciar). No entanto, deve-se entender que o antigo uso da palavra “adoração” no inglês era muito mais amplo do que o utilizado hoje em dia e era muito comum para se referir ao ato de honrar, venerar ou reverenciar. Por exemplo, no antigo Livro de Oração Comum, nos votos de casamento, pode-se ler: “adoro-te com o meu corpo”, mas isso nunca teve a intenção de sugerir que a noiva adoraria o seu marido no sentido em que a palavra “adoração” é comumente utilizada agora.
Os cristãos ortodoxos veneram os ícones, isto é, prestam-lhes respeito, pois são objetos sagrados e por isso reverenciam o que eles representam. Não adoram os ícones, assim como os americanos não adoram a bandeira americana. Saudar a bandeira não é exatamente o mesmo tipo de veneração que os cristãos ortodoxos prestam ao ícone, mas é, de facto, um tipo de veneração. E da mesma forma como os cristãos ortodoxos não veneram a madeira e a tinta, mas sim as pessoas representadas no ícone, os americanos patrióticos não veneram os tecidos e as tintas, mas o país que a bandeira representa.
Essa foi a razão do Sétimo Sínodo Ecuménico, que decretou no seu Oros:
“Sendo assim, seguindo o nobre caminho e o ensinamento divinamente inspirados dos nossos Santos Padres e da Tradição da Igreja Católica – a qual sabemos, é inspirada pelo Espírito Santo que nela habita – decidimos corretamente, após um profundo exame, que, assim como como a santa e vivificante Cruz, também os santos e preciosos ícones pintados com cores, feitos de pequenas pedras ou qualquer outro material com este propósito (epitedeios), devem ser colocados nas santas igrejas de Deus, nos jarros, nas vestes sagradas, nas paredes, nas tábuas, nas casas e nas estradas, sejam estes ícones de nosso Senhor Deus e Salvador, Jesus Cristo, ou de nossa Senhora Soberana imaculada, a santa Mãe de Deus, ou dos santos anjos e dos homens santos e venerados. Pois toda a vez que os vemos representados numa imagem, quando os contemplamos, somos levados a recordar os seus exemplos. Por isso, é apropriado prestar-lhes uma veneração (proskenesin) fervorosa e reverente, não, porém, a verdadeira adoração (latreian) que, segundo a nossa fé, é própria apenas à única natureza divina. Assim, os ícones devem ser venerados da mesma forma que a imagem da cruz preciosa e vivificante, o santo Evangelho e outros objetos sagrados, os quais honramos com incenso e velas, segundo o costume piedoso dos nossos antepassados. Pois a honra prestada à imagem vai para o seu protótipo e a pessoa que venera um ícone venera a pessoa nele representada. Com efeito, tal é o ensinamento dos nossos santos Padres e a Tradição da santa Igreja católica que propagou o Evangelho por todo o mundo”.
Quanto mais os ícones são contemplados, mais eles nos movem para a memória fervorosa dos seus protótipos. Portanto, é apropriado conceder-lhes uma veneração fervorosa e reverente, não, no entanto, a verdadeira adoração que, de acordo com a nossa fé, pertence somente ao Ser Divino – pois a honra conferida à imagem passa para o seu protótipo e quem venerar a imagem venera a realidade do que está ali representado.
Os judeus entendem a diferença entre veneração e adoração. Um judeu piedoso beija a mezuzá da sua porta, o seu manto de oração antes de colocá-lo e o seu talit antes de amarrá-lo na sua testa e no seu braço. Ele beija a Torá antes da leitura na Sinagoga. Sem dúvida, Cristo fez o mesmo, ao ler as Escrituras na Sinagoga.
Os primeiros cristãos entendiam essa distinção. No Martírio de Policarpo (que era discípulo de São João, o Apóstolo, e teve o seu martírio registado pelos fiéis da Igreja que testemunharam todos os factos relatados), foi mencionado como alguns procuraram que o magistrado romano impedisse que os cristãos recuperassem o corpo do Santo Mártir:
Ele disse: “Não aconteça que eles, abandonando o crucificado, passem a cultuar esse homem.” Dizia essas coisas por sugestão insistente dos judeus, que tinham-nos vigiado quando queríamos retirar o corpo do fogo. Eles ignoravam que jamais poderíamos abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de todos aqueles que serão salvos do mundo, como inocente em favor dos pecadores, nem prestarmos culto a outro. Adoramo-lo, porque é o Filho de Deus. Quanto aos mártires, amamo-los justamente como discípulos e imitadores do Senhor, por causa da incomparável devoção que tinham para com o Rei e Mestre. Pudéssemos nós também ser os seus companheiros e condiscípulos! Ao ver a rixa suscitada pelos judeus, o centurião colocou o corpo no meio e fez com que o queimassem, como era costume. Desse modo, pudemos, mais tarde, recolher os seus ossos, mais preciosos do que as pedras preciosas e mais valiosos do que o ouro, para colocá-los num lugar conveniente. Quando possível, é aí que o Senhor permitirá que nos reunamos, na alegria e contentamento, para celebrar o aniversário do seu martírio, em memória daqueles que combateram antes de nós, e para exercitar e preparar aqueles que deverão combater no futuro (O Martírio de Policarpo 17:2-3; 18:1-3).
5. O segundo mandamento proíbe os ícones?
A questão em relação ao segundo mandamento é: o que significa a palavra traduzida por “imagens de escultura”? Se significa apenas imagem de escultura, as imagens no templo também seriam uma violação desse mandamento. No entanto, o nosso melhor guia sobre o significado das palavras hebraicas é o que elas significavam para os hebreus – e quando os hebreus traduziram a Bíblia para o grego, eles traduziram essa palavra como eidoloi, isto é, “ídolos”. Além disso, a palavra hebraica pesel nunca é usada para se referir a qualquer uma das imagens do templo. Portanto, a referência aqui é claramente às imagens pagãs e não às imagens em geral.
Analisemos mais de perto a passagem bíblica em questão:
“Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou em baixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás [encurvarás] diante delas e não as servirás…” (Êx 20:4-5a).
Agora, se tomarmos isso como referência a imagens de qualquer tipo, então, claramente, os querubins do Templo violam este mandamento.
Se limitarmos, porém, a sua aplicação apenas aos ídolos, não haverá qualquer contradição. Além do que, se isso for aplicado a todas as imagens – até mesmo a foto nas cartas de condução violam isso, são ídolos. Portanto, ou todo o protestante com uma carta de condução é um idólatra, ou os ícones não são ídolos.
Deixando de lado, por um momento, o significado da expressão “imagens de escultura”, analisemos apenas o que esse texto diz atualmente sobre isso. Não farás x, não te prostrarás diante de x, não servirás x. Se x = imagem, então o próprio Templo violava o mandamento. Se x = ídolos e não todas as imagens, esse excerto não contradiz nenhum dos Ícones do Templo, nem os ícones ortodoxos.
6. Dt 4:14-19 não proíbe qualquer imagem de Deus? Então como podemos ter ícones de Cristo?
A passagem instruía os judeus a não fazer uma (falsa) imagem de Deus, já que eles nunca o tinham visto, mas, como cristãos, acreditamos que Deus se fez carne na pessoa de Jesus Cristo, e assim podemos retratar aquilo “que vimos com os nossos olhos” (1 Jo 1:1). Como disse São João Damasceno:
“Antigamente, Deus, o incorpóreo e não circunscrito, nunca era representado. Agora, porém, quando Deus é visto em carne, e conversando com os homens, faço uma imagem do Deus que vejo. Eu não adoro a matéria, adoro o Deus da matéria, que se tornou matéria por minha causa e dignou-se a habitar a matéria, que operou a minha salvação através da matéria. Não cessarei de honrar aquela matéria que opera a minha salvação. Venero-a, embora não como Deus. Como poderia Deus nascer de coisas sem vida? E se o corpo de Deus é Deus pela união, ele é imutável. A natureza de Deus permanece a mesma de antes, a carne criada no tempo é vivificada por uma alma lógica e racional”.
7. Mas ao considerar a violenta oposição que os judeus tinham às imagens, como poderiam os primeiros cristãos ter aceitado os ícones?
A iconografia não foi encontrada apenas nas catacumbas cristãs, mas também nas catacumbas judaicas do mesmo período. Temos, também, os ícones judaicos bem preservados de Dura-Europos, que estavam numa cidade destruída pelos persas na metade do século III (o que, claro, limita o quão recentemente esses ícones poderiam ter sido feitos).
Muitas vezes, as opiniões de Josefo sobre a iconografia são erroneamente consideradas como a opinião judaica padrão sobre o assunto, mas isto claramente não é o caso. O texto especificamente citado refere-se à revolta causada quando os romanos colocaram a águia imperial nos portões do Templo.
Esta história não é simples e clara como alguns gostariam que fosse. Os judeus em questão eram zelotes. Josefo, que também era um rebelde, embora tenha trocado de lado e depois ajudado os romanos, registou esses eventos.
Josefo mencionou que os romanos montaram uma águia sobre a entrada do Templo, que o povo derrubou como um sacrilégio. Mas eram as imagens de animais por si só ou eram as águias romanas na entrada do Templo que estavam em questão? A posição de Josefo sobre este assunto era tão extrema que ele pensava que as estátuas de animais em conexão com o Mar Fundido no Templo de Salomão eram um pecado (Antiguidades VIII,7,5).
Em geral, a atitude dos judeus em relação à arte religiosa não era tão iconoclasta. O Talmud palestino regista (em Abodah Zarah 48d) que “nos dias do rabino Jochanan os homens começaram a pintar figuras nas paredes e ele não os impedia” e “nos dias do rabino Abbun os homens começaram a fazer pinturas em mosaicos e ele não os impedia”.
Também, o Targum Pseudo-Jonatã repete a ordem contra os ídolos, mas depois diz: “uma coluna de pedra esculpida com imagens e semelhanças, porém, pode ser feita nas instalações dos seus santuários, mas não para adorá-la”.
Além disso, os livros sagrados judaicos foram ilustrados há tanto tempo quanto nós os temos. Eles contêm ilustrações de cenas bíblicas, muito parecidas com as encontradas na Sinagoga de Dura-Europos (e também na igreja encontrada nas suas proximidades), que foi enterrada em meados do século III, quando os persas destruíram aquela cidade (Ver “The excavations at Dura-Europos conducted by Yale University and the French Academy of Inscriptions and Letters”, Relatório Final VII, Parte I, A Sinagoga, de Carl H. Kraeling).
É digno de nota que os primeiros ícones das catacumbas eram, na sua maioria, cenas do Antigo Testamento e ícones de Cristo. A predominância de cenas do Antigo Testamento mostra que esta não era uma prática pagã cristianizada pelos convertidos, mas sim uma prática judaica, adotada pelos cristãos.
8. Se os ícones são tão importantes, porquê não os encontramos nas Escrituras?
Ah, mas encontramo-los nas Escrituras – e muitos deles! Considere como eram predominantes no Tabernáculo e depois no Templo. Havia imagens de querubins:
- na Arca – Êx 25:18;
- nas cortinas do Tabernáculo – Êx 26:1;
- no véu do Santo dos Santos – Êx 26:31;
- dois grandes querubins no Santuário – 1Rs 6:23;
- nas paredes – 1Rs 6:29;
- nas portas – 1Rs 6:32;
- nas mobílias – 1Rs 7:29-36.
Em resumo, havia ícones por todo o lado.
9. Porque no Templo havia apenas ícones de Querubins e não dos Santos?
O Templo era uma imagem do Paraíso, como disse São Paulo claramente:
“[Os sacerdotes que servem no Templo em Jerusalém] servem de exemplo e sombra das coisas celestiais, como Moisés divinamente foi avisado, quando estava a acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faz tudo conforme o modelo que te mostrei neste monte” (Hb 8:5; cf. Êx 25:40).
Antes de Cristo vir em carne e triunfar sobre a morte através da Sua Ressurreição, os santos do Antigo Testamento não estavam na presença de Deus no Céu, mas sim no Sheol (muitas vezes traduzido como “túmulo” ou hades, em grego). Antes da Ressurreição de Cristo, o Sheol era o destino tanto dos justos quanto dos injustos (Gn 37:35; Is 38:10), embora o seu destino não fosse, de forma alguma, o mesmo. Como vemos na parábola de Cristo sobre o homem rico e Lázaro (Lc 16:19-31, cf. Enoque 22:8-15; muito embora o livro de Enoque não esteja incluído na Sagrada Escritura, é uma parte venerável da Sagrada Tradição e é citado na Epístola de São Judas, assim como em muitos dos escritos dos Santos Padres), havia um abismo que separava o justo do injusto, e enquanto os justos estavam em estado de bem-aventurança, os ímpios estavam (e estão) em estado de tormento, ou seja, os justos esperavam a sua libertação através da Ressurreição de Cristo, enquanto os ímpios esperavam com temor o seu julgamento. Assim, sob a antiga aliança, orava-se somente pelos defuntos, porque ainda não estavam no céu para interceder por nós. Porque, como disse São Paulo aos hebreus ao falar dos santos do Antigo Testamento: “E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, provendo Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados” (Hb 11:39-40). Em Hb 12, São Paulo prossegue a contrastar a natureza da Antiga (12:18ss) com a Nova Aliança (12:22ss) – e entre as distinções que faz, ele diz que, na Nova Aliança, “chegamos (…) aos espíritos dos justos aperfeiçoados” (12:22-23). Como nos dizem tanto as Escrituras como também o restante da Sagrada Tradição, enquanto o corpo de Cristo jazia no túmulo, o Seu Espírito desceu ao Sheol e proclamou a liberdade aos cativos (Ef 4:8-10; 1Pe 3:19, 4:6; cf. Mt 27:52-53). E esses santos que triunfaram sobre este mundo, agora reinam com Cristo em Glória (2Tm 2:12), e continuamente oferecem orações por nós perante o Senhor (Ap 5:8; o Martírio de Santo Inácio, Ch. 7 [Santo Inácio era um dos discípulos do apóstolo João e foi por ele constituído Bispo de Antioquia]).
Assim, enquanto no Antigo Pacto, o Templo representava o céu apenas com os querubins presentes, na Nova Aliança, os nossos Templos representam o céu com a grande nuvem de testemunhas que lá residem agora em glória.
10. Está bem, ao admitirmos que há uma espécie de ícones nas Escrituras, onde é que os israelitas disseram que deveriam ser venerados?
As Escrituras ordenam aos israelitas que se curvem diante da Arca, a qual continha duas imagens proeminentes de querubins. O Salmo 99:5 ordena: “prostrai-vos diante do escabelo dos seus pés (…)”. Devemos notar, primeiramente, que a palavra com o significado de “prostrar” aqui é a mesma palavra usada em Êx 20:5, quando nos é dito para não nos prostrarmos diante de ídolos.
E o que é o “escabelo dos seus pés”? Em 1Cr 28:2, David usou essa frase em referência à Arca da Aliança. No Salmo 99 (98 na Septuaginta), começa a falar do Senhor que “habita entre os Querubins” (99:1) e termina com um chamado para “prostrar-se ao seu santo monte” – o que torna ainda mais claro que, no contexto, fala-se da Arca da Aliança. Essa frase ocorre novamente no Salmo 132:7, onde é precedida pela declaração “Entraremos nos seus tabernáculos (…)” e é seguida pela declaração “Levanta-te, Senhor, do teu repouso, tu e a arca da tua força.”
Interessantemente, essa frase é aplicada à Cruz nos serviços da Igreja e a conexão não é acidental – porque sobre a Arca, entre os Querubins, estava o Propiciatório, sobre o qual o sangue sacrificial era aspergido pelos pecados do povo (Êx 25:22, Lv 16:15).
11. Mas e a Serpente de Bronze? Não foi destruída precisamente porque o povo começou a venerá-la?
Se analisarmos a passagem em questão (2Rs 18:4), veremos que a Serpente de Bronze não foi destruída simplesmente porque as pessoas honraram-na, mas sim porque a transformaram em um Deus serpente, chamado “Neustã.”
12. Não havia iconoclastas na Igreja, muito antes do aparecimento dos protestantes?
É importante ter em mente, ao considerar a questão dos ícones (e portanto também a do iconoclasmo), que há duas questões distintas que são muitas vezes confundidas:
1) É permitido fazer ou ter ícones?
2) É permitido venerá-los?
É claro, a partir do Antigo Testamento, que a resposta a ambas as perguntas é sim. Embora os protestantes, no entanto, oponham-se à veneração dos ícones, eles normalmente não se opõem a fazer ou possuir imagens. Se o fizessem, não teriam ilustrado folhetos evangélicos, televisões ou imagens… Com exceção dos Amish, seria difícil encontrar outro grupo de protestantes que consistentemente evita imagens. Os protestantes costumam opor-se à veneração das imagens, mas curiosamente os argumentos e evidências que utilizam quase sempre se opõem a imagens de qualquer tipo, isso se a lógica das suas argumentações fosse consistentemente observada.
Os iconoclastas, frequentemente citados pelos protestantes como apoiantes da sua posição sobre essa questão, na verdade, argumentam contra os protestantes. Por um lado, os iconoclastas anatemizaram todos aqueles que “se aventuram a representar (…) com cores materiais (…) Cristo ou os santos” – algo que quase todos os protestantes fazem. Por outro lado, também anatemizaram todos aqueles que “não confessam a santa e sempre-virgem Maria, verdadeira e propriamente a Mãe de Deus, como sendo superior a toda criatura, visível ou invisível, e não buscam com fé sincera as suas intercessões como alguém que tem confiança no seu acesso ao nosso Deus, visto que foi ela quem O deu à luz (…)” e também anatemizaram todos aqueles que “negam o benefício da invocação dos santos (…)” (NPNF 2, Vol. 14, p. 545f). Assim, na realidade, os protestantes encontram-se sob mais anátemas dos iconoclastas que os Ortodoxos.
Os protestantes podem querer contentar-se de que pelo menos os iconoclastas se opuseram à veneração das imagens, mas a veneração nunca foi um problema, em si mesma, em relação aos iconoclastas. Eles opuseram-se somente à veneração dos ícones, porque eles se opuseram aos ícones. Eles não se opuseram à veneração de coisas sagradas – os iconoclastas veneravam a Cruz e não tinham nenhuma objeção quanto a ela (Jaroslav Pelikan, The Spirit of Eastern Christendom, 600-1700, Chicago: University of Chicago Press, 1974, p. 110).
Os protestantes citam, também, alguns outros Santos Padres e escritores dos primeiros séculos da Igreja para apoiar a sua posição. A maioria dessas citações simplesmente denuncia a idolatria e não está relacionada com os ícones. Nos poucos casos em que as citações poderiam ser plausivelmente interpretadas como uma condenação aos ícones (algumas das quais são indiscutivelmente interpolações iconoclastas posteriores), uma interpretação consistente exigiria que nenhuma imagem fosse feita … porque, novamente, a objeção encontrada nesses textos é ao ato de fazer e possuir imagens. Nenhum desses textos aborda sequer a questão da veneração.
O Cânone do Sínodo de Elvira é citado, frequentemente, em apoio a uma posição iconoclasta. No seu 36º Cânone, o Concílio decretou: “É ordenado que as imagens não estejam nas igrejas, de modo que aquilo que é adorado e cultuado não seja pintado nas paredes”. Mesmo os estudiosos protestantes reconhecem que o significado deste cânone não é tão claro como os seus apologistas muitas vezes o sugerem. Em primeiro lugar, não se sabe em que contexto foi redigido e não está claro o que tentava impedir, facto esse que até mesmo os estudiosos protestantes reconhecem:
“(…) nenhum grande peso pode ser atribuído a isto [o cânone 36 do concílio de Elvira], sendo desconhecido o seu exato significado” [Edward James Martin, A History of the Iconoclastic Controversy (London: Society for the Promotion of Christian Knowledge, 1930), p. 19, fn 4].
Tendo em conta a formulação desse cânone, é quase certo que não se trata de uma proibição geral das imagens. Não está claro o que está a ser proibido e, mais especificamente, com qual objetivo. Interpretações plausíveis vão desde uma mera proibição de imagens na Igreja, até uma medida de precaução para proteger os ícones contra os pagãos (e uma vez que o cânone foi composto durante um tempo de perseguição, isso é certamente possível). Em qualquer caso, o facto é que os ícones estavam em uso nas igrejas espanholas antes desse Sínodo e continuaram a ser usados depois, sem qualquer outra evidência de controvérsia. Além disso, esse Sínodo tinha um caráter puramente local, nunca tendo sido afirmado a nível ecuménico.
3) Como sabemos que os iconoclastas não foram os que preservaram a mais antiga posição cristã sobre os ícones?
Para começar, o iconoclasmo teria prosperado no território dominado pelo islamismo… o que, porém, não aconteceu. O surgimento do iconoclasmo começou em território muçulmano, embora não tenha sido o caso de cristãos a destruir imagens, mas sim de muçulmanos a destruir imagens cristãs (Pelikan, p. 105). Há também razões para pensar que a influência muçulmana tenha inspirado os imperadores iconoclastas (pois todos eles eram de partes do Império nas quais os muçulmanos tinham avançado), mas o facto é que a única parte da Igreja na qual o iconoclasmo prevaleceu foi naquelas áreas nas quais os imperadores iconoclastas podiam impor a sua heresia ao povo. Em todas as áreas da Igreja fora do alcance do poder bizantino, a Igreja opôs-se aos iconoclastas e rompeu a comunhão com os mesmos. Um dos mais importantes opositores dos iconoclastas foi São João Damasceno, que viveu sob o domínio muçulmano e, em consequência, sofreu perseguições. Se a posição dos iconoclastas fosse realmente a visão tradicional, deveríamos esperar ver tal posição prevalecer sobre os cristãos que viviam sob o domínio muçulmano. No mínimo, esperaríamos que surgissem vozes iconoclastas entre esses cristãos, mas, na verdade, o que aconteceu foi verdadeiramente o contrário – não se ouviam vozes iconoclastas vindas das terras dominadas pelos muçulmanos, apesar das vantagens óbvias que tais cristãos teriam tido com os seus governantes.
Além disso, antes da controvérsia iconoclasta, há muitas evidências arqueológicas de que os ícones eram usados por toda a Igreja e, se isto fosse um afastamento da Tradição Apostólica, deveríamos esperar encontrar uma enorme controvérsia sobre esse tópico desde o momento em que os ícones começaram a ser usados, pois só se intensificaria à medida que o seu uso se tornasse mais comum. Não encontramos, no entanto, nada disso. Na verdade, trinta anos antes da controvérsia iconoclasta, o Concílio Quinisexto estabeleceu um cânone sobre o que deveria ser retratado em certos ícones, não deixando, porém, a mínima indicação de qualquer controvérsia sobre os ícones em si:
“Em algumas das pinturas dos veneráveis ícones, um cordeiro é descrito como sendo mostrado ou apontado pelo dedo do Precursor, que era considerado como um tipo de graça, sugerindo antecipadamente através da lei o verdadeiro cordeiro para nós, Cristo nosso Deus. Portanto, ao aceitar avidamente os velhos tipos e sombras como símbolos da verdade e das pré-indicações transmitidas à Igreja, preferimos a graça e aceitamo-la como a verdade em cumprimento da lei. Como, portanto, o que é perfeito, ainda que seja apenas pintado, está impresso no rosto de todos, o Cordeiro que tira o pecado do mundo, Cristo nosso Deus, com respeito ao Seu caráter humano, decretamos que daqui em diante ele será descrito em ícones, em vez do antigo cordeiro: a fim de que todos possam compreender por meio do mesmo a profundidade da humilhação da Palavra de Deus e para que possamos recordar, na nossa memória, a sua vida na carne, a sua paixão e morte salvífica, e a sua redenção que foi realizada para o mundo inteiro” (Cânone LXXXII do Concílio Quinisexto).
Além disso, há muitas outras coisas acerca dos iconoclastas que mostram a inovação da sua heresia: opuseram-se ao monasticismo, apesar de esse ter sido inquestionavelmente aceite pela Igreja durante séculos, roubavam monges, tomavam as suas terras e forçavam-nos a casar, comer carne e assistir a espetáculos públicos (e aqueles que resistiram muitas vezes foram, eles próprios, os espetáculos públicos), contrariando a prática monástica bem estabelecida. Até mesmo os historiadores protestantes vêem-se forçados a admitir que os homens e mulheres santos da época eram partidários da veneração dos ícones e que os iconoclastas eram bastante imorais e impiedosos.
“Muito tem sido escrito, e verdadeiramente escrito, sobre a superioridade dos governantes iconoclastas; mas uma vez dito tudo isso, um facto ainda permanece: que eles eram, na sua maioria, cristãos deploráveis, e o juízo do arcebispo protestante de Dublin, ao resumir o assunto, não será contestado por nenhum estudante imparcial. Ele disse: “Ninguém negará que, com raras exceções, toda a seriedade religiosa, tudo o que constituía o poder vivificante de uma igreja, estava do outro lado [isto é, do lado Ortodoxo]. Se os iconoclastas tivessem triunfado, quando a sua obra tivesse finalmente se mostrado nas suas verdadeiras cores, ter-se-ia provado que era o triunfo, não da fé num Deus invisível, mas de uma frívola descrença num Salvador encarnado” (Trench. Mediaeval History, Cap. vii. – The Seven Ecumenical Councils of the Undivided Church, trad. H. R. Percival, in NPNF2, ed. P. Schaff e H. Wace, repr. Grand Rapids MI: Wm. B. Eerdmans, 1955 – XIV, p. 575, cf. 547f).
Uma pessoa somente pode ser um iconoclasta se acreditar que a Igreja pode deixar de existir – contrariando as Escrituras – porque não há dúvida de que a Igreja rejeitou o iconoclasmo, tendo utilizado os ícones desde, pelo menos, a época das catacumbas (as quais estão repletas de ícones cristãos). Essa é uma opção que os evangélicos ponderados geralmente rejeitam (ver, por exemplo, A Biblical Guide to Orthodoxy and Heresy, Part Two: Guidelines for Doctrinal Discernment, in the Christian Research Journal, Fall 1990, p. 14, seção 3, “The Orthodox Principle”).
Fonte: http://orthodoxinfo.com/general/icon_faq.aspx
Tradução em portugues: Skemmata;
Redação atual: Gabriela Mota