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O Jejum e a Grande Quaresma

O Triodion

A Grande Quaresma abrange o período de quarenta dias de preparação espiritual que antecede a festa mais importante do ano cristão, a Santa Pascha (que significa “passagem” e é comumente chamada de Páscoa). Esta é a parte central dum período maior de preparação chamado de Tempo do Triodion.

O Triodion tem o seu início dez semanas antes da Páscoa e é dividido em três partes principais: as três semanas da Pré-quaresma (a fim de preparar os nossos corações para a Páscoa), as seis semanas da Quaresma e a Semana Santa. O tema principal do Triodion é o arrependimento, ou seja, o retorno da humanidade a Deus, o nosso Pai amoroso.

Esse período anual de arrependimento é uma jornada espiritual partilhada com o nosso Salvador. O nosso objetivo é encontrar o Senhor Jesus ressuscitado, que assim nos reúne com o Deus-Pai, O qual está sempre à nossa espera de mãos estendidas. Devemos, então, nos perguntar: “Estamos dispostos a recorrer a Ele?”

Durante a Grande Quaresma, a Igreja ensina-nos como fazê-lo, utilizando, para isso, os dois grandes meios de arrependimento: a oração e o jejum. 

O Jejum da Quaresma

A palavra “jejum” significa não comer determinados ou, mesmo, todos os alimentos. Como fiéis ortodoxos, devemos praticar um jejum estrito, nos momentos de grande importância, e, especialmente, antes de recebermos a Sagrada Comunhão. Usualmente, jejuar significa limitar o número de refeições e/ou o tipo de alimento a ser consumido.

O propósito do jejum é lembrar-nos do ensinamento bíblico: “nem só de pão vive o homem”, uma vez que as necessidades do corpo não são nada em comparação com as necessidades da alma. Acima de tudo, jamais nos devemos esquecer que precisamos de Deus, Aquele que tudo nos fornece para o corpo e a alma. Assim, o jejum ensina-nos a depender de Deus plenamente.

O primeiro pecado que os nossos “pais”, Adão e Eva, cometeram foi comer da árvore proibida (Génesis 3:1-19). Nós jejuamos, ou seja, abstemo-nos de todo o tipo de alimento ou de apenas um item da alimentação, a fim de nos lembrarmos que não devemos pecar e praticar o mal.

Há vários benefícios advindos da prática do jejum. Ele ajuda-nos, por exemplo, a orar mais facilmente. O nosso espírito fica mais leve quando não estamos sobrecarregados com muita comida ou com um alimento de difícil digestão. Através do jejum, aprendemos, também, a sentir compaixão pelos pobres e famintos e a gerir os nossos próprios recursos de modo a poder ajudar os necessitados.

Porém, o jejum é mais do que abster-se de comida. São João Crisóstomo ensinou-nos que o mais importante é abstermo-nos do pecado. Por exemplo, além de controlar o que entra na nossa boca, devemos controlar, também, o que sai dela. Significa dizer: as nossas palavras são agradáveis ​​a Deus ou amaldiçoamos a Deus e ao nosso irmão?

Além disso, os outros membros do nosso corpo também precisam jejuar: os nossos olhos precisam abster-se de contemplar o mal; os nossos ouvidos, de ouvi-lo; os nossos membros, de participar em qualquer coisa que não seja proveniente de Deus. Finalmente, o mais importante de tudo é controlarmos os nossos pensamentos, uma vez que estes são a fonte de das nossas ações, sejam elas boas ou más.

Assim, o jejum não é um fim em si mesmo. O nosso objetivo é uma mudança interna, de coração. O jejum da Quaresma é chamado de ascético, pois refere-se às ações de autonegação e exercício espiritual, as quais lhe são essenciais.

O jejum é um exercício espiritual e não uma imposição. E, da mesma forma como o verdadeiro arrependimento não pode ser imposto a ninguém, cada um de nós faz a escolha de se afastar dos seus caminhos pecaminosos e ir em direção ao amor que nos foi dado pelo nosso Pai celestial.

As semanas que antecedem a Quaresma

Antes do início da Grande Quaresma, há quatro lições dominicais que nos preparam para o jejum. O tema do primeiro domingo, chamado de “O Domingo do Publicano e do Fariseu”, é a humildade. A parábola do Senhor, narrada no Evangelho de Lucas (18:10-14), ensina-nos que o jejum praticado com orgulho é rejeitado por Deus. Por este motivo, não há jejum na semana seguinte a esse domingo. Isso inclui os jejuns da quarta e sexta-feira daquela semana (quartas e sextas-feiras são geralmente dias de jejum durante todo o ano, sendo que o da quarta-feira faz-nos lembrar da traição de Cristo por Judas e o da sexta-feira comemora a crucificação do Senhor).

O tema do segundo domingo pré-quaresmal, chamado de “O Domingo do Filho Pródigo” é o arrependimento. Antes de retornarmos a Deus, precisamos reconhecer que afastámo-nos Dele por causa do pecado. Assim como o filho pródigo (Lucas 15:11-32), também nós encontramo-nos num exílio auto imposto. Conscientizaremo-nos disso como o fez o filho pródigo e voltaremos ao nosso Pai?

O terceiro domingo pré-quaresmal é chamado, tanto de “Domingo da Abstenção de Carne”, como de “Domingo do Último Julgamento”. O primeiro nome refere-se ao facto de este ser o último dia, antes do jejum, no qual a carne e o peixe podem ser comidos antes da Páscoa. O segundo nome refere-se à lição do Evangelho lido neste dia (Mateus 25:31-46), através da qual o Senhor nos diz que, no último dia, seremos julgados de acordo com o amor que temos mostrado com o nosso irmão: “Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo (…) Sempre que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes”. Ora, as Esmolas andam de mãos dadas com o jejum. 

O último domingo pré-quaresmal é chamado de “Domingo da Abstenção de Queijo” e “Domingo do Perdão”. Este é o último dia, antes do jejum, no qual os produtos lácteos podem ser comidos. A lição do Evangelho lido neste dia (Mateus 6:14-21) é a de que o nosso jejum não deve ser hipócrita ou de mera aparência. O nosso trabalho e a nossa aparência continuarão como sempre e os nossos esforços extras devem ser conhecidos apenas por Deus. A leitura do Evangelho lembra-nos, também, que Deus, o Pai, nos perdoará da mesma maneira que nós perdoamos o nosso irmão. É com esta promessa de perdão que a Grande Quaresma começa no dia seguinte, chamado de “Segunda-feira da Purificação”, dia de jejum total, no qual é permitido, apenas, que se beba um pouco de água. Nenhuma outra bebida ou comida deve ser consumida.

Regras para o Jejum da Quaresma

As regras para o Jejum da Quaresma observadas atualmente foram estabelecidas pelos mosteiros da Igreja Ortodoxa no período compreendido entre o sexto e o décimo primeiro séculos. Essas regras são destinadas a todos os cristãos ortodoxos e não apenas aos monges.

A primeira semana da Quaresma é especialmente rigorosa. Na segunda, terça e quarta-feira, deve-se manter um jejum total. Na prática, porém, pouquíssimas pessoas conseguem fazê-lo. Alguns acham necessário comer um pouco a cada dia após o pôr do sol. Muitos fiéis jejuam completamente na segunda-feira, comendo apenas comida crua (pão, frutas e nozes) na terça-feira à noite. Na quarta-feira, o jejum é mantido até o término da Liturgia dos Dons Pressantificados.

Da segunda até a sexta semana da Quaresma, as regras gerais para o jejum devem ser praticadas. As carnes, os produtos de origem animal (queijo, leite, manteiga, ovos, banha de porco), o peixe (aquele com espinha dorsal), o azeite e o vinho (incluindo todas as bebidas alcoólicas) não devem ser consumidos durante os dias da semana da Grande Quaresma. O polvo e o marisco são permitidos, assim como o óleo vegetal. Nos fins de semana, o azeite e o vinho são permitidos.

De acordo com o que foi estabelecido nos mosteiros, durante a Grande Quaresma, pode-se fazer uma refeição por dia durante a semana e duas refeições nos fins de semana. Nenhuma restrição é colocada sobre a quantidade de comida durante a refeição, embora a moderação seja sempre incentivada em todas as áreas da vida e em todos os momentos.

O Peixe, o óleo e o vinho são permitidos na Festa da Anunciação (25 de março) e no Domingo de Ramos (celebrado uma semana antes da Páscoa). Noutros dias de festa, como o Primeiro e o Segundo Encontros da Cabeça de São João Batista (24 de fevereiro), a Celebração dos Quarenta Santos Mártires de Sebaste (9 de março) e a Sinaxe do Arcanjo Gabriel (26 de março), o vinho e o óleo são permitidos.

SEMANA SANTA

A semana que antecede a Páscoa, a Semana Santa, é um momento especial de jejum da Grande Quaresma. Tal como na primeira semana, deve-se manter um jejum estrito. Alguns cristãos ortodoxos tentam manter um jejum total na segunda, terça e quarta-feira santas. A maioria come uma refeição quaresmal simples no final de cada dia antes de ir ao ofício noturno.

Na quinta-feira santa, o vinho é permitido, em memória da Última Ceia. A sexta-feira santa é mantida como um dia estrito de jejum, assim como o sábado santo. O sábado santo é o único sábado em todo o ano no qual o óleo não é permitido.

Em suma, estas são as regras da Quaresma para o jejum. Tradicionalmente, os Padres da Igreja recomendam aos que são novatos na prática do jejum, que comecem com a firme decisão de cumpri-las fielmente, conforme a sua capacidade.

A cada ano, na medida em que se amadurece como cristão, uma participação mais completa pode ser realizada. No entanto, não é recomendável que uma pessoa tente criar as suas próprias regras para o jejum, uma vez que isso não seria nem obediente nem sensato. Os fiéis são encorajados a consultar o seu Sacerdote ou Bispo quanto ao jejum, quando possível.

Fatores pessoais, como a saúde e/ou a situação de vida também precisam ser considerados. Por exemplo, um cristão ortodoxo isolado, obrigado a fazer refeições no local de trabalho, na escola ou na prisão pode não ser capaz de evitar certos alimentos. A Igreja entende isso e tolera-o.

É importante ter em mente que o jejum não é uma lei para os cristãos, mas tão-somente uma oportunidade para que possamos nos lembrar de não pecar e fazer o mal, ajudando-nos, assim, a manter a nossa atenção na oração, no arrependimento e nos atos de bondade, pois “estamos, não debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Romanos 6:14).

A PÁSCOA, A SEMANA LUMINOSA E O PERÍODO PASCAL

O jejum da Quaresma é quebrado após o serviço da Páscoa da meia-noite. Com a proclamação: “Cristo ressuscitou!”, inicia-se o tempo do banquete. A semana após a Páscoa é chamada de “Semana Luminosa” e nela não há jejum. Nos quarenta dias seguintes, a Igreja celebra a época pascal (Páscoa), na qual a alegria e a ação de graças são a realização da nossa jornada quaresmal.

Uma Oração para a Quaresma

Além das nossas orações diárias, a oração de São Efrém, o Sírio, é tradicionalmente dita, muitas vezes, ao longo de cada dia durante a Grande Quaresma: 

Ó Senhor e Soberano da minha vida, o espírito de ociosidade, de exuberância, de domínio e de loquacidade, afasta de mim. (metanóia)

Mas o espírito de castidade, de humildade, de paciência e de amor concede ao Teu servo. (metanóia)

Sim, Senhor e Rei, concede-me que eu veja as minhas culpas e que não julgue os meus irmãos, pois Tu és bendito pelos séculos dos séculos. Ámen. (metanóia)

Fonte. / Redação atual: Gabriela Mota

Publicado emLiturgia e Sacramentos

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