O tema que passo a expor é o da espiritualidade ou da paternidade espiritual, ou ainda, se preferirdes, o “nutrir espiritualmente”, ou então o “cuidar das almas”.
Para tanto, gostaria, em primeiro lugar, de definir a palavra “espiritualidade”; porque, ao falarmos de espiritualidade, referimo-nos, usualmente, a certas expressões da nossa vida espiritual, tais como a oração e a ascese. Isto está claro em certos livros como, por exemplo, os de Teófano, o Recluso. Todavia, torna-se necessário, ao que me parece, relembrar que a espiritualidade consiste na realização da ação do Espírito Santo em nós. A espiritualidade não é o que designamos, habitualmente, por esta palavra, mas antes é a manifestação da ação misteriosa do Espírito Santo.
Isto coloca-nos imediatamente numa posição muito nítida em relação à paternidade espiritual, uma vez que esta não se trata de formar uma pessoa segundo certos princípios e de ensinar-lhe a desenvolver-se na oração ou na ascese segundo alguns estereótipos. A paternidade espiritual consiste, sim, para o pai espiritual, qualquer que seja o seu nível próprio de espiritualidade, em vigiar, com um olhar atento, o que faz o Espírito Santo com e em tal pessoa. Ele estimulará a Sua ação e a protegerá contra as tentações ou as quedas decorrentes das hesitações da incredulidade. Em consequência, a função do Pai Espiritual pode parecer mais considerável do que pensamos geralmente.
Antes de seguir adiante, gostaria de dizer duas palavras acerca do facto de haver somente um conceito da paternidade espiritual. Existem, ao que me parece, três tipos de Pais Espirituais.
Num primeiro nível, o Pai Espiritual é um Presbítero a quem foi dada a graça do sacerdócio e que traz consigo não somente o direito, mas a força plena da graça de celebrar os Sacramentos: a Eucaristia, o Batismo, a Unção dos Doentes, assim como a Confissão, quer dizer, a reconciliação do homem com Deus. O grande perigo ao qual está exposto o jovem e inexperiente Padre, cheio de entusiasmo e de esperança, reside no facto de que, os jovens, recém-saídos das Escolas de Teologia, imaginam que a ordenação os dotou dos conhecimentos, da inteligência, da experiência e da capacidade de “discernir os espíritos”. Eles tornam-se, então, semelhantes àqueles que denominávamos, na literatura ascética, de neo-starets, o que quer dizer que, não possuindo ainda nem maturidade espiritual, nem mesmo o conhecimento que traz tão simplesmente uma experiência pessoal, pensam ter-lhes sido ensinado a tomar um pecador arrependido pela mão e o elevar da terra ao céu.
Infelizmente, isso costuma ocorrer em todos os países. O jovem Padre, em virtude do seu sacerdócio, e não porque possui uma experiência espiritual, nem mesmo porque Deus a tal o conduziu, põe-se a dirigir os seus filhos espirituais debaixo de demasiadas regras: não faças isso, não faças aquilo; não leias este género de literatura; vai à Igreja; faz as metanoias … E, por fim, obtemos uma forma de caricatura da vida espiritual nestas “vítimas”, que fazem, talvez, tudo o que faziam os ascetas, mas estes o faziam por experiência espiritual e não porque eram animais domesticados. Quanto ao Padre, é uma catástrofe, porque penetra num domínio no qual não tem nem o direito, nem a experiência de invadir. Eu insisto nisso, porque é uma questão essencial para o clero.
Ora, só podemos ser um Starets (palavra russa que quer dizer Ancião), devido à graça de Deus. Este é um fenómeno carismático, é um dom. Não podemos aprender a ser um Starets, tal como não podemos escolher a via de qualquer talento. Podemos todos sonhar em ser génios, todavia compreendemos perfeitamente que Beethoven ou Mozart, Leonardo da Vinci ou Roublev possuíam um talento tal, que não podemos adquiri-lo em escola alguma, nem mesmo por uma longa experiência, pois isso é um dom divino da graça.
Eu insisto nisto, pois este parece-me ser um tema essencial; na Rússia, talvez até mais do que no Ocidente, pois ali o papel do Padre é mais central. Geralmente, os jovens Padres (jovens em idade ou em maturidade, ou mesmo imaturidade) “governam” os seus filhos espirituais ao invés de os fazer crescer.
Fazê-los crescer significa estar com eles, acompanhá-los tal como o jardineiro o faz com as flores ou as plantas. Ele importa-se em conhecer a natureza da planta, as condições climáticas ou outras, nas quais ela vive, e somente então poderá ajudá-la (e ajudar é tudo o que ele pode fazer) a desenvolver-se da maneira que é própria à sua natureza particular. Não saberíamos despedaçar uma pessoa com a finalidade de torná-la semelhante a nós próprios. Certo escritor religioso ocidental disse: “Nós podemos somente conduzir um filho espiritual a si próprio e o caminho que conduz ao interior da sua própria vida pode ser, por vezes, muito longo…” Na vida dos Santos, podemos ver o quanto os grandes Startsy sabiam como o fazer, como sabiam ser eles próprios e, ao mesmo tempo, ver claramente no outro a sua natureza excecional, única, e dar a esta pessoa, a uma outra e a uma terceira, a possibilidade de serem também elas próprias e não réplicas deste Starets ou, pior ainda, o seu duplo estereótipo.
O encontro de António e Teodósio, nas Grutas de Kiev, é um exemplo na história da Igreja russa. Teodósio fora o discípulo de António. Todavia, as suas vidas não tiveram nada em comum, se considerarmos que António foi um eremita e Teodósio, o fundador da vida cenobítica. Poderíamos perguntar de que maneira pôde António prepará-lo a fazer o que ele próprio não havia feito, e a criar um homem tal como ele próprio não quisera ser e ao que Deus não lhe havia chamado.
Parece-me ser necessário esclarecer a diferença entre o nosso desejo de tornar uma pessoa semelhante a nós próprios (ou seja, torná-la semelhante ao seu Pai Espiritual) e o desejo de torná-la semelhante a Cristo.
O Startsestvo, como eu já disse, é um dom cheio da graça, é o talento espiritual, e eis porque ninguém, dentre nós, pode sonhar em portar-se como um Starets. Todavia, existe ainda um domínio intermediário, que é o da paternidade. Pelo que repito: um Padre demasiado jovem (não só na idade), apenas pelo facto de o chamarmos “Padre fulano”, supõe-se não simplesmente um Padre Confessor, mas, na verdade, “um pai”, no sentido em que ouvíamos o Apóstolo Paulo dizer: “Vós tendes muitos pedagogos, mas sou eu quem vos gerei em Cristo”. São Serafim de Sarov dizia o mesmo: é pai (e não, obrigatoriamente, um Padre) aquele que faz nascer na vida espiritual uma outra pessoa, quando esta, ao depositar nele o seu olhar, vê (como diz o antigo ditado) nos seus olhos e na sua face, o esplendor da vida eterna, e em virtude disso, pode aproximar-se mais dele e, assim, pedir-lhe para ser o seu mestre e o seu guia.
O que distingue igualmente um pai, é o facto dele ser, dalguma forma, do mesmo sangue que o seu discípulo, ou seja, na vida espiritual, eles partilharem o mesmo espírito. Ele poderá, assim, guiá-lo, eis que entre eles existe uma verdadeira harmonia, não somente no espírito, mas também na alma.
Vós recordais, certamente, que, no seu tempo, o deserto do Egito era densamente povoado por ascetas e guias espirituais, e, portanto, as pessoas não escolhiam para si próprias um mestre segundo o seu renome, não iam àquele que diziam ser o melhor, mas antes encontravam para si o guia que compreendiam e que os compreendia.
Isso é muito importante, pois a obediência não é cumprir cegamente tudo o que diz aquele que tem sobre ti um poder, seja ele económico ou físico, moral ou espiritual. Para o discípulo que, tendo escolhido para si um guia espiritual no qual ele tem uma confiança absoluta e em quem ele vê o que ele próprio procura, a obediência consiste não somente em estar atento a cada uma das palavras do seu pai, como também ao tom da sua voz; testemunha de todos os factos e gestos do seu guia e de todas as manifestações da sua experiência espiritual. Ele esforça-se para se superar, para dar início a esta experiência, a fim de se tornar aquele que já cresceu para além da medida que havia atingido pelos seus próprios esforços. A obediência é, antes de tudo, o desejo de escutar e de ouvir, não somente com a sua inteligência, não somente com os seus ouvidos, mas com todo o seu ser, de coração aberto, através de uma contemplação recolhida do mistério espiritual do outro.
Da parte do Pai Espiritual, que vos pôs no mundo ou que já vos recebeu concebido, mas que pode ser todavia um pai para vós, ele deve ter uma profunda veneração pela ação do Espírito Santo em vós. O Pai Espiritual, bem como todo e qualquer Padre de paróquia consciente, deve ser/estar num estado de ver em cada pessoa a beleza da imagem de Deus, aquela que jamais lhe fora tirada (e este estado é alcançado, por vezes, ao preço de esforços, de uma profunda reflexão e de uma atitude respeitosa com aquele que vem a ele). Ainda que o homem esteja corrompido pelo pecado, o Pai Espiritual deve ver nele um ícone, sofrido pelas circunstâncias da vida, da negligência humana ou dos sacrilégios; ver nele este ícone e recolher-se diante do que resta e, em virtude desta beleza divina, trabalhar no sentido de afastar tudo o que desfigura esta imagem de Deus. O Padre Eugraph Kovalevsky, ainda enquanto leigo, disse-me, certa vez: “Quando Deus olha para o homem, Ele não vê nem as virtudes que ele talvez não tenha, nem o sucesso que ele não tem, mas sim a imutável e resplandecente beleza da Sua Própria Imagem …” Então, se o Pai Espiritual não for capaz de ver numa pessoa esta eterna beleza, de ver as primícias da realização da sua vocação em Cristo, então ele não poderá guiá-lo; pois não construímos um homem, não o fabricamos, mas, sim, o ajudamos a crescer na medida da vocação que lhe é própria.
Assim, a palavra “obediência” poderá pedir alguma precisão. Habitualmente, falamos de obediência como uma submissão, uma dependência e, por vezes, uma sujeição ao guia espiritual ou àquele a quem demos – duma forma errada e em detrimento, não somente de si mesmo, mas também do Padre – o nome de Pai Espiritual ou de Starets. A obediência consiste, precisamente, no que eu disse acima: estar à escuta de todas as forças da sua alma. Todavia, isto compromete, em igual medida, o Pai Espiritual e o seu discípulo; pois o Pai Espiritual deve mobilizar toda a sua experiência, todo o seu ser, toda a sua oração e, eu diria mesmo, ainda mais, toda a graça do Espírito Santíssimo que nele atua, a fim de perceber o que o Espírito Santo realiza naquele que se confiou a ele. Ele deve saber espreitar, nesta pessoa, as vias do Espírito Santo, ele deve-se recolher diante do que Deus realiza e não procurar estudá-lo, seja de acordo com o seu próprio modelo, seja como lhe parece que o outro deveria desenvolver-se, enquanto “vítima” da sua direção espiritual.
É-lhe pedido que seja humilde. Nós esperamos a humildade por parte do discípulo ou do filho espiritual; mas esta é ainda mais necessária a um Padre ou a um Pai Espiritual, para que jamais invada o domínio santo a fim de tratar a alma do outro, tal como Deus ordenou a Moisés tratar o solo que rodeava a Sarça Ardente. E todo o homem já se encontra como esta sarça – em poder ou na realidade; tudo o que o cerca é este solo santo sobre o qual o Pai Espiritual só pode pôr os pés depois de ter descalçado as suas alparcas ou, por outras palavras, deve fazer como o Publicano que, ao permanecer na entrada do Templo, observava o seu interior, sabendo que lá se encontrava o domínio do Deus Vivo, um lugar santo, e que Ele somente teria o direito de nele penetrar se o próprio Deus o ordenasse ou lhe denunciasse, em segredo, o que fazer ou que palavra pronunciar.
Uma das tarefas do Pai Espiritual é a de educar o seu filho na liberdade espiritual dos filhos de Deus e não o de o manter num estado de infantilismo por toda a sua vida, a fim de que este não lhe corra a pedir socorro, sem cessar, por motivos banais, por nada e em vão, mas para que ele cresça de tal modo que seja capaz de aprender, por si próprio, a ouvir as palavras indizíveis que o Espírito Santo pronuncia no seu coração.
Ao refletirmos acerca do sentido da palavra “humildade”, podemos encontrar duas definições. Primeiramente, smirenie (em russo, smir significa “com paz”) é o estado de reconciliação, ou seja, o homem reconcilia-se com a vontade de Deus, entregando-se a Ele total e ilimitadamente e dizendo com júbilo: “Faz de mim, Senhor, o que queres!” Afinal, ele reconciliou-se igualmente com todas as circunstâncias da sua própria vida; tudo é dom de Deus: o que é bom e o que é redutível. Deus escolheu-nos para sermos os Seus embaixadores na terra, enviando-nos para onde estão as trevas, para sermos a luz; onde está o desespero, para sermos a esperança, onde o júbilo está morto, para sermos o júbilo. E o nosso lugar não é simplesmente aquele onde tudo está calmo, na Igreja ou durante a Liturgia, quando estamos protegidos pela nossa presença mútua, mas sim onde permanecemos sós, como sinal da presença do Cristo nas trevas deste mundo desfigurado.
Analisemos, agora, a palavra latina humilitas, que vem de humus, que significa terra fértil. Refleti! Teófano, o Recluso, escreveu neste mesmo sentido: “Refleti no que representa a terra: ela está lá, silenciosa, descoberta, sem defesa, vulnerável, diante da face do céu; ela recebe do céu o calor tórrido e os raios do sol, a chuva e o orvalho, mas ela recebe também o que chamamos de adubo, que quer dizer o estrume, os restos, enfim: tudo o que nela despejamos. E o que se passa? Ela dá frutos, e quanto mais ela suporta tudo, o que sob o ponto de vista psicológico chamamos de humilhação e ultraje, mais ela dá frutos”.
Então, ser humilde significa abrirmo-nos a Deus duma forma perfeita, de maneira a não demonstrarmos resistência alguma, nem a Ele, nem à ação do Espírito Santo, nem à imagem de Cristo em toda a sua realidade, nem ao Seu ensinamento, e de encontrarmo-nos vulneráveis à graça, assim como acontece quando nos encontrarmos vulneráveis à mão do homem, a uma palavra afiada, a uma ação cruel, a um escárnio; é dar-nos de maneira a que, de bom grado, Deus tenha o direito de fazer de nós tudo o que bem Lhe parecer. Significa, enfim, tudo aceitar, abrir-se e deixar-se submeter pelo Espírito Santo.
Parece-me que, se o Pai Espiritual se esforçar em adquirir a humildade neste sentido, se ele vê no homem a verdadeira beleza e se ele conhece o seu lugar (e este lugar é tão maravilhoso, tão santo – é o lugar do amigo do esposo, e a noiva não é a sua noiva, todavia, ele está lá para proteger o seu encontro com o esposo), então ele poderá verdadeiramente ser o companheiro de caminhada do seu filho espiritual, seguindo-o passo a passo, protegendo-o, sustentando-o, sem jamais invadir o domínio do Espírito Santo; e, neste caso, a paternidade espiritual tornar-se-á uma parte desta espiritualidade e desta progressão na santidade, à qual cada um de nós é chamado, e à qual todo o Pai Espiritual deve ajudar os seus filhos espirituais a atingir.
Mas onde procurar Pais Espirituais? O mal é que não devemos procurar os Startsy e nem mesmo os Pais Espirituais, pois poderíamos dar uma volta ao mundo sem os encontrar. A experiência mostra-nos que, por vezes, Deus nos envia a pessoa certa no momento certo, mesmo que por um curto espaço de tempo. E esta pessoa torna-se, de repente, para nós, o que eram os Startsy. Sabem, eu geralmente penso que o meu protetor celeste não passa da jumenta de Balaão, que se põe a falar, dizendo ao Profeta o que ele próprio não podia ver. Pois acontece, geralmente, que alguém me venha ver, e eu não saiba o que lhe dizer nem responder, quando, de repente, por azar, digo-lhe qualquer coisa e isto revela-se justo. Penso que, em uma tal situação, Deus dá-te uma palavra. Mas não deves contar que a tua experiência ou a tua erudição te darão a possibilidade de fazer sempre isso: eis porque, convém guardarmo-nos num silêncio recolhido e dizer, em seguida: “Sabes, não te posso dar uma resposta imediata…” Temos um magnífico exemplo na vida de Santo Ambrósio de Optina: muitas pessoas procuravam-no a fim de receber um conselho e ele os fazia esperar por dois ou três dias. Certa vez, um vendedor foi ao seu encontro e lhe disse: “Devo retornar a minha terra, a minha loja está encerrada e não me dás uma resposta…” Ao que Ambrósio lhe respondeu: “Eu nada te posso dizer! Já pedi à Mãe de Deus e Ela Se cala…” Para mim, deveríamos responder da seguinte forma: “Eu poderia dizer-te algo que provém do meu próprio espírito, ou de um livro, ou ainda de um relato, todavia isso não seria real; por isso nada te posso dizer. Mas vou orar e, se Deus esclarecer a minha alma, eu to escreverei, eu to direi.” Então, a tua palavra, quando falas, é acolhida de uma forma totalmente diferente do que se fores altruísta em todas as circunstâncias da vida. Pois todas as pessoas conhecem as suas verdades, feitas pelo seu próprio coração, mas o problema é o de saber discernir aquela que convém numa situação particular.
Para ser mais exato: ao falar do génio e do talento, não falava a respeito do clero, nem mesmo da categoria dos Pais Espirituais, mas específica e exclusivamente dos Startsy e do Startsestvo. Utilizei, para tanto, as palavras “talento” e “gênio” porque, na linguagem usual, elas exprimem o que podemos chamar de “portador da graça”. Neste mundo, o génio da música, da arte ou da matemática é algo que podemos atingir pelos nossos próprios esforços. Eis porque não falava do clero em geral e não tinha evidentemente intenção alguma em fazê-lo; em denegrir o Padre de paróquia, o mais jovem, simples e sincero, que realiza o seu trabalho, ao receber a confissão das pessoas, ao partilhar com elas o que aprendeu com os Padres da Igreja, com os teólogos, com o seu próprio Pai Espiritual ou com os fervorosos cristãos que o cercam. Isto é algo de precioso. Todavia, existe um ponto que me inquieta um pouco: é o facto de certos Padres (os que são espiritualmente ignorantes e imaturos e tal se refere também aos leigos, mas no momento eu viso os Padres, posto que são profissionais), pensarem, que somente por vestirem a batina e a estola, passarão a falar em Nome de Deus … e eu fico horrorizado com o facto de alguém poder pensar que, somente porque pronuncia por três vezes: “Senhor, esclarece o meu espírito obscurecido pelas paixões diabólicas”, as suas palavras, automaticamente, transformar-se-ão numa profecia divina!
Eu penso que aqui deve prevalecer o bom senso: só podemos falar do que aprendemos através de uma fonte segura. Utilizemos, para tanto, um exemplo: o Santo Apóstolo Paulo podia falar com uma certeza e uma segurança totais da ressurreição de Cristo, pois ele O havia encontrado vivo e ressuscitado no caminho para Damasco. Mas acerca de outras situações, ele falava sem uma experiência tão direta. Outras pessoas podem ter, igualmente, uma certa experiência, numa menor escala, talvez; mas, no entanto, podem dizer: “Sim, eu sei de maneira segura” – tal como um ateu que, ao voltar-se para Deus, escreveu, em França, um livro intitulado “Deus existe, eu O encontrei”.
Um Padre e um leigo podem, os dois, igualmente, falar com base na sua experiência eclesiástica, ainda que não a possuam na sua totalidade. Tendo, porém, em comum com os outros o seu início, poderão ouvir sobre a experiência de outras pessoas, a qual ainda não é totalmente a sua, mas, no entanto, quando tal for necessário, poderão dizer: “É a verdade, pois é o que diz a Igreja e eu aprendi mais no seio da Igreja do que através da minha própria experiência…”
Enfim, há coisas das quais só podemos falar porque Deus no-las revelou.