“O impulso que produziu o voo original para o deserto tebático do Egito (Thebaída) foi […] o impulso elementar do Cristianismo, que tudo desperta para Deus, abandonando todas as coisas e influências deste mundo a fim de melhor se preparar para o Reino dos Céus”. Hieromonge Serafim (Rose)
O monaquismo encarna a mais elevada forma de vida ascética da qual o homem dispõe para corresponder ao amor louco de Deus, que deseja ardentemente divinizá-lo, a fim de torná-lo semelhante a Si próprio. O homem torna-se, então, segundo São Máximo, o Confessor, um pequeno “deus”, ao possuir todas as qualidades do próprio Deus: a mesma glória, a mesma beatitude, a Ele idêntico em tudo, menos na essência.
O monge nada mais é do que um cristão que se compromete a levar mais seriamente a realização desta sinergia. A sua cruz não é nem maior, nem mais pesada. No entanto, devido ao facto de se ter comprometido a servir a este Deus pessoal, a sua responsabilidade torna-se maior; a sua cruz, talvez possamos assim dizer, deve sempre remetê-lo a esta aliança que escolheu selar pelo resto da sua vida até a eternidade dos séculos. E porque escolheu livremente a sua vocação, a sua noção de liberdade está relativamente implicada nesta santidade que busca realizar. A santidade é um convite feito a todos os cristãos. Este é o derradeiro objetivo da nossa Fé, da nossa vida na Igreja, enfim, da nossa existência nesta terra. Caminhos diferentes são, na verdade, o monaquismo e o matrimónio. Ambos, porém, são um convite à esta santidade da qual toda a alma tem a sede de ser saciada, porque fomos todos criados à imagem e semelhança de Deus. Todos, sem exceção alguma, somos chamados a responder a este mesmo apelo interior e cada um de nós, ao seu modo, com a sua tonalidade própria, através da sua vocação singular, reunidos neste Corpo que se chama Igreja, realizamos este caminho de retorno à Pátria tão almejada, a Jerusalém do Alto.
É necessária uma vida de santidade para tornar efetiva a união de Deus com o homem, o que quer dizer, a sua divinização. Para atingir o auge da santidade, é necessário lutar para obedecer os Mandamentos de Deus. Estes Mandamentos não são os caprichos de um tirano, mas, sim, uma cura terapêutica destinada a restabelecer a nossa natureza corrompida. O Senhor não nos deu os Seus Mandamentos do alto da Sua grandeza divina; mas, antes, desceu, Ele Próprio, até nós e nos exortou a imitá-Lo como se fôssemos verdadeiramente os Seus filhos, os Seus irmãos ou os Seus amigos – “Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando” (João 15: 14). É desta forma que concebemos o Cristianismo; não como uma teoria abstrata, mas sim como uma prática constante, uma confissão de fé.
Confrontados com as solicitações sensuais do pecado que o espírito do mundo, a carne e o diabo suscitam, o cristão confessa a sua fé em Cristo, nosso Deus, ao rejeitar o pecado e ao manifestar o seu amor por Deus por meio da observância dos Seus Mandamentos. Cristo convidou-nos a pôr em prática a vontade do Seu Pai celeste, tal como Ele, que foi “obediente até a morte, e morte de cruz!” (Filipenses 2: 8). É precisamente a observância dos Seus Mandamentos que constitui o modo de comunhão entre o Deus pessoal e o homem.
O homem contemporâneo, alimentado pelas ideologias materialistas, não tem a mínima ideia do que seja a paz interior e a calma concedidas pelo Espírito Santo àqueles que vivem em harmonia com os Seus Mandamentos. Eis porque a temperança dos sentidos face aos prazeres e às tentações laboriosas (tão necessária para adquirir as santas virtudes, mediante o sacrifício de seu ego em benefício dos outros) é considerada como que uma “loucura”. Esta “loucura” da Cruz é o convite evangélico de Cristo: “Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-Me” (Mateus 16:24). Este convite foi fundamental para os primeiros cristãos, os santos ascetas, e, nos dias de hoje, para todo o cristão piedoso: “Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Romanos 7:22).
Eis então a vida do nosso espírito. Uma das características mais marcantes desta vida é, sem sombra de dúvidas, as penas e dores que nos infligimos ou as que aceitamos, a fim de renunciarmos completamente a este mundo; pois, ao negarmos a nós próprios, unimo-nos totalmente a Deus.
Uma outra característica importante deste modo de vida ascético é a renúncia a toda a posse de bens e segurança material, ao ponto de se cultivar, por vezes, a pobreza voluntária e a insegurança, o que parece bem estranho aos olhos do nosso mundo materialista, que faz da riqueza e do bem-estar material os seus principais valores.
A primazia da experiência está no centro de todo o ensinamento espiritual. Nada pode ser afirmado sem antes ser experimentado. A experiência ensina-nos tudo, ela faz “encarnar” o ensinamento profundamente sincero, autêntico e verídico. Eis a causa de um poder de convicção em perfeita harmonia com uma originalidade inegável; cada pessoa é diferente de todas as outras e vive, de uma maneira que lhe é própria, a experiência do combate espiritual e da aquisição da Graça.
O facto de se ter uma ordem, uma disciplina, uma regra, um programa de vida perfeitamente regulares e de se comprometer, custe o que custar, quaisquer que sejam as circunstâncias ou as pessoas, a aceitar as mudanças de estado ou de sítio, confere ao monge uma estabilidade interior indispensável a uma vida espiritual frutuosa. Estas considerações parecem particularmente salutares para o homem de hoje, cujo modo de vida, tanto interior como exterior, também se encontra sujeito a incessantes mudanças, as quais trazem efeitos particularmente negativos à sua vida mental e principalmente espiritual. A insistência em se atentar para os perigos da negligência constitui igualmente um suporte útil a este ensinamento: as coisas mais pequenas na vida são de uma extrema importância, uma vez que favorecem ou impedem, conforme são vividas, a realização das maiores. O que nos leva a afinar e revigorar o discernimento. Aliás, é muito importante este discernimento espiritual e a este tema se agregam as reflexões acerca do modo pelo qual podemos conhecer (ou reconhecer) a vontade divina, a qual se reveste das mais diferentes formas segundo o tempo, o espaço, as pessoas, as coisas, a maneira e as circunstâncias.
Não há, no entanto, uma vida espiritual sem a tentação e muito mais ainda no que se refere à ascese. As tentações desempenham um importante papel ao nível do nosso auto-conhecimento e aceitação, e por conseguinte, no nosso crescimento enquanto pessoa, enquanto personalidade, enquanto alguém que é livre e que busca ser livre. Elas são consideradas provações necessárias ao nosso progresso na vida espiritual. Devemos aprender a afrontá-las. Nada mais são do que fontes de experiência das quais tiramos grande proveito e crescemos em virtude.
Tudo isso nos conduz para a importância da obediência a Deus através do auxílio de um Pai espiritual, confessor ou Igúmeno. Longe de ser uma submissão alienada, a obediência é uma virtude que tem o valor de um sacramento, não apenas por ter sido fundada sob o ensinamento do Evangelho como também sob o exemplo do próprio Cristo, que Se fez totalmente obediente ao Seu Pai. Quando praticamos a obediência, tornamo-nos semelhantes a Cristo. A queda do homem (Adão) teve por causa a desobediência e é por meio da obediência que as criaturas restabelecem as suas relações normais com o Seu Criador. Junte-se a isso a participação na comunidade, esta vida comunitária que nos convida a cada dia ao sacrifício da vontade própria. Tudo muito bem regrado e fundamentado na vida do ciclo litúrgico, na beleza do serviço divino na Igreja, onde nos reunimos e elevamos os nossos corações no louvor, na ação de graças, na comunhão com a Vida que vence a morte e que nos abre a porta do Paraíso pela Sua Ressurreição na carne. E esta Carne, este Corpo (de Cristo) é a própria Igreja. A nossa vida na Igreja traz o carimbo da Ressurreição. É esta a vitória do homem que sabe estar e ser só (monos = monakos = monge), que sabe ser e estar em comunidade (comum-unidade) e que sabe viver em sacrifício pelo próximo e por aquele que lhe é, por vezes, tão diferente, mas que sempre o convida a este amor que é a própria natureza do Filho de Deus. A comunidade ensina-nos a conhecermo-nos a nós próprios, a descobrir quem somos e em que nível de amor estamos. Ela ensina-nos a suportar, a esperar e, sempre, a amar. É dela esta força que nos faz reconhecer em cada próximo, independentemente da sua personalidade, a imagem e a semelhança de Deus (Amor). A medida desta vida espiritual é a Fé. O homem não sabe viver sem Fé. Sem a Fé ele está morto! E quando ele tem Fé, automaticamente, tem esperança, e porque espera, logo ama, e a medida desse amor faz-lhe jorrar fontes de forças para sempre amar e mais amar, tolerar, suportar e ser paciente. Esta é a ascese de todo o monge: esta luta, que não tem fim, pelo amor. Podemos ser grandes ascetas ao nível da rudeza dos nossos hábitos, quando comemos pouco, rezamos bastante, dormimos praticamente nada e ficamos em vigília. Se, no entanto, isto for uma causa ou uma consequência da nossa própria vontade, o nosso vínculo com a Igreja não tem um propósito! O amor é serviço e combate. E o Evangelho é Amor. Servir ao Evangelho é derramar vinho e azeite nas feridas daqueles que jazem à espera de serem amados ao nosso redor; e eles são tantos! Só serve quem quer, e somente esta luta pelo servir liberta o homem do seu egocentrismo, do seu círculo de vícios, costumes, derrotas e paixões. O homem que ama desinteressadamente já alcançou o caminho que revela a sua alegria de ser, de ser em Igreja, de ser filho de Deus e co-herdeiro da herança eterna.